Francisco de Assis, um homem que exalava paz e amor por onde caminhava, foi acusado de ser um Sonhador Perigoso. O Cardeal Hugolino que era o seu amigo e admirador foi quem lhe advertiu. Avisou que na Cúria Romana havia um grupo de poderosos cardeais que não viam com bons olhos, nem ele nem sua Fraternidade. O chamavam antes de Sonhador, mas agora chamavam de Sonhador Perigoso. Dizia que a Cúria recebia cerca de 30 notícias positivas e três negativas sobre ele e a fraternidade, mas para quem é negativo, a realidade resume-se a essas três notícias desfavoráveis. E continuava com as observações: você não deve se afastar do seu rebanho para evangelizar à distância, seu rebanho corre perigo, o bom pastor ronda, vigia e toma conta do seu rebanho; você foi temerário, meu filho, mandando seus irmãos indefesos a regiões remotas, expostos a todo tipo de contradição; você precisa de circunspecção, de sabedoria, medir as forças e saber com quem está lidando; que é o homem para comparar-se com Deus? quem poderá emular Cristo? Iríamos alem da temeridade, isso seria atrevimento e no fundo estupidez; nós somos filhos do barro, é coisa que não temos que nos envergonhar, apenas reconhecer; o espírito e a liberdade são bons, porém, se não forem devidamente canalizados, descontrolam-se e acabam arrastando tudo o que encontram para desaparecer na mais completa esterilidade; temo que aconteça alguma coisa assim com sua fraternidade, você foi longe demais!
Francisco entrou em profunda tristeza com tudo que ouviu, pela primeira vez começou a perder a segurança, a alegria de viver, pois imaginava que estava fazendo tudo conforme a vontade do Senhor, mas procurou responder: todas as coisas tem casca e miolo, verso e reverso, Senhor Cardeal; conheço a linguagem dos intelectuais da Ordem, um exército compacto, bem preparado e bem disciplinado a serviço da Igreja; falam de disciplina férrea, de organização poderosa; essa é a linguagem dos quartéis, do poder, da conquista; minhas palavras são outras, manjedoura, presépio, calvário; os ministros tem um palavreado cativante, mas é casca, senhor Cardeal, ou se me permite, é caricatura; a realidade é outra, ninguém quer ser pequenino, ninguém quer parecer fraco, nem nos tronos nem na igreja; todos somos inimigos instintivos da cruz e do presépio, a começar pelos homens da Igreja; somos capazes de derramar lágrimas diante do Presépio e de nos sentirmos orgulhosos levantando a cruz nos campos de batalha, como fazem os cruzados; temos porém vergonha da cruz; não chamarei ninguém de farsante, mas isso é uma farsa, quase uma blasfêmia; ninguém é mau, mas nós nos enganamos; as coisas feias precisam de aparência bonita; o mundo que existe dentro de nós precisa de uma roupagem vistosa; o homem velho, o soldado que vive dentro de nós, quer dominar, emergir, ser senhor; este instinto feio veste-se de ornamentos sagrados e nós dizemos que é preciso confundir os albigenses, temos que aniquilar os sarracenos, temos que conquistar o Santo Sepulcro... no fundo é o instinto selvagem de dominar e prevalecer; a verdade é que ninguém quer parecer destituído de poder; nós dizemos que Deus está por cima, deve predominar, mas somos nós que queremos estar por cima e predominar e para isso subimos no trampolim do nome de Deus; Deus nunca está por cima, está sempre abaixado para lavar os pés de seus filhos e servi-los, ou está pregado na cruz, mudo e impotente; na verdade, ninguém quer parecer pequeno e fraco, nós temos vergonha da manjedoura, do Presépio e da Cruz do Calvário, senhor Cardeal; a Igreja tem pregadores demais que falam maravilhosamente sobre a teologia da Cruz, mas o Senhor não nos chamou para pregar brilhantemente o mistério da Cruz. E sim para vivê-lo humildemente.
As palavras de Francisco faziam eco em meu coração e as lágrimas não se recusaram em testemunhar. Aquele pequenino homem, armado com sua fé, colocava em frangalhos todas as advertências caridosas do seu amigo Cardeal. Colocava o dedo na ferida que ninguém ver, nas palavras bonitas que são proferidas sem o devido suporte da prática da caridade. Eu me senti admoestado também pelo Cardeal, mas me senti defendido por Francisco! Afinal, eu como ele, procuramos seguir a vontade de Deus, seguindo Cristo como professor e assumindo determinado campo de atuação. Ele assumiu a graça de ter percebido a vontade de Deus em sua consciência e atuava no campo da pobreza, da caridade, da humildade para provar que era possível viver como o Cristo viveu. Eu, assumo a graça de perceber na consciência que Deus deseja que eu atue no campo dos relacionamentos com base no Amor Incondicional para provar que é possível criar as condições da família universal, base do Reino de Deus na terra.
Como Francisco, meu principal escudo e fonte de inspiração é o evangelho, são as lições que Jesus deixou e que foram registradas por seus apóstolos. Como Francisco, procuro ser o mais honesto com a essência dos ensinamentos e evito a hipocrisia de falar uma coisa e praticar outra. Como Francisco, também sou considerado um Sonhador Perigoso e em algumas casas sou impedido de entrar, por praticar o amor inclusivo, sem barreiras, sem preconceitos, altruísta, solidário e eterno! Onde eu encontraria um defensor a altura dos meus acusadores, que entendesse a natureza dos meus pecados? Somente em Francisco de Assis!