Eu sabia que iria entrar nesse deserto mental para ser provado. Está acontecendo. Porem, muito longe do que aconteceu com Jesus, estou sendo vergonhosamente derrotado em todos os embates ocorridos até agora.
O primeiro que identifiquei foi o exercício da Caridade. Uma senhora me procurou no trabalho para conseguir um atestado para sua filha doente mental. Era um pedido fora de propósito, devia ser feito pelo médico que a acompanha no ambulatório e não por mim que estava num trabalho à serviço da Justiça. Também eram solicitados itens que somente quem poderia colocar seria o médico que a acompanha no ambulatório. Acontece que por motivos políticos a instituição não recebe atestados desse médico. Acontece que essa senhora não tem como conseguir esse atestado na rede pública, pois não existe essa especialidade no momento para atender a população. Mas eu usei de todos esses argumentos desfavoráveis para negar a confecção desse documento, aleguei até falta de ética ao colocar informações que eu não testemunhei no acompanhamento do caso. E tudo isso é verdade. Não adiantou nem a senhora tirar de sua bolsa a Bíblia e dizer que esse (Deus) era o seu advogado e que Ele iria resolver a situação. Foi embora e eu fiquei a meditar... Fui derrotado na primeira batalha. A Caridade veio para ser servida e eu privilegiei a arrogância, o legalismo mundano, a fria burocracia. Nem mesmo a lembrança escancarada do Pai e que ali estava uma irmã necessitada, e que se fosse uma irmã biológica eu teria atendido e atropelava toda a burocracia, leis e ética, fez eu recuar. O orgulho falou mais alto.
Logo depois, entra outra senhora com um pedido semelhante. Era esposa de um motorista que no passado me serviu, mas com os mesmos impedimentos burocráticos eu dispensei a senhora indicando outros locais onde seria feito de forma burocraticamente correta.
Mas o Pai não deixou passar essas falhas em branco. A única companhia que ficou comigo nessa quarentena no deserto, o meu pequeno cão, adoeceu e tive que levar ao hospital veterinário onde ficou internado.
À noite, na hora de dormir, fui conversar com o Pai. Foi uma conversa franca, pedi perdão a ele pela atitude arrogante, não solidária com o sofrimento do próximo, dos pacientes que me procuram. Perguntei também a Ele se esse sofrimento que causo nas minhas companheiras é na verdade vontade dEle, e Ele apenas me perguntou: “Estás amando incondicionalmente?”
Senti as lágrimas rolarem e fui dormir.