“Ninguém se consagra à Deus para tornar ricos os seus parentes, mas para, redimindo os pecados com o preço da compaixão, adquirir a vida com o fruto da boa obra.” (Fontes Franciscanas e Clareanas, Ed. Vozes, 2008, pg 353).
Esse trecho do pensamento de Francisco é de alto significado, pois todos que vinham à Ordem o santo ensinava que, antes de darem ao mundo a carta de repúdio, oferecessem primeiro as suas coisas exteriores e depois oferecessem a si mesmos interiormente a Deus. Admitia à Ordem tão somente os que já se haviam despojados e os que não retinham absolutamente nada, seja por causa do santo Evangelho, seja para não servirem de escândalo da bolsa reservada.
Acontece que, na Marca de Ancona, depois da pregação do santo, alguém veio ter com ele, pedindo humildemente entrada na Ordem. Disse-lhe o santo: “Se queres associar-te aos pobres de Deus, primeiramente distribui teus bens aos pobres do mundo.” Tendo ouvido isto, o homem foi e, levado por amor carnal, distribuiu os bens aos seus e nada aos pobres. E aconteceu que, ao voltar e relatar aquela generosa munificência ao santo, o pai lhe disse rindo: “Toma teu caminho, irmão mosca, porque ainda não saíste da casa e de tua parentela. Deste teus bens aos teus consanguíneos e defraudastes os pobres, não és digno dos pobres santos. Começaste pela carne, colocaste fundamento que ameaça ruína na estrutura espiritual”.
Volta então o homem animal aos seus e pede de volta os seus bens; não querendo deixá-los aos pobres, ele deixou mais depressa o propósito da virtude.
Confesso que sou, muitas vezes, contrário ao comportamento radical de Francisco. Mas, nesse episódio, acredito que ele tenha completa razão, apesar disso me trazer abalo às minhas profundas convicções. Sei que esse comportamento do santo, privilegiava a pobreza como uma identificação ao Cristo. Eu penso que devo me comportar com firmeza na prática do Amor Incondicional para construir o Reino de Deus que o Cristo ensinava. Em ambos os propósitos os interesses da carne devem ficar em segundo plano. O próximo que está ao nosso lado, deve ser considerado com prioridade frente a qualquer outro interesse da parentela. Se o nosso comportamento é mantido por nossa vontade como instrumento da vontade de Deus, se assim somos consagrados a Deus, então não é admissível que qualquer interesse de qualquer parente, por maior afinidade sanguínea que seja, pai ou mãe, principalmente, seja obstáculos para esse desiderato.
Colocados assim no mundo, como instrumentos da vontade de Deus, como pessoas consagradas a Deus, é aos pobres, os pequeninos, os deserdados, os injuriados, os injustiçados, o nosso maior foco. Se desviamos desse foco para dar atenção extra aos parentes e que isso consuma o nosso compromisso com Deus, podemos ser enquadrado como “irmão mosca”, como dizia Francisco daquele que estava mais ligado à carne do que ao espírito. Sei que devemos respeito a pai e mãe, mas maior respeito devemos ao Pai celestial que é Pai de todos nós, filhos e pais, pobres e ricos, velhos e moços... e a todos devemos levar à sua Justiça, como é o seu desiderato em nossas consciências. Não seguir isso é se tornar mosca... seguir isso é se capacitar para ser anjo ao lado do Pai.
A decisão cabe a cada um de nós que já atingiu esse grau de compreensão: ser mosca ou ser anjo!