Devo ter cuidado com minhas afirmativas otimistas. Ontem disse que me sentia satisfeito com meu nível de tolerância. Nesse aspecto eu tinha uma retrospectiva de boa devoção ao Pai sendo tolerante com seus filhos, os meus irmãos. Não deu outra! Fui testado durante todo o dia quanto a tolerância, e não me saí tão bem quanto eu antes anunciava.
Calhou deste dia ser o último para apresentação do Imposto de Renda. Como eu sempre deixo essa tarefa para o último dia, geralmente último minuto, neste ano apesar de eu ter me esforçado para entregar a declaração antes, terminou tudo para a última hora. Como o valor estava escandalosamente alto, pedi ajuda a Unicred para me financiar e pagar, já que eu tava assoberbado de outros serviços. A minha consultora da Unicred entrou em contato com o meu contador e ficaram de fazer os procedimentos e ela iria até o meio dia no Departamento do HUOL onde eu estava trabalhando pela manhã. A Residente em psiquiatria ficou de pegar um livro emprestado comigo também pela parte da manhã. O técnico de informática do Hospital ficou de ir fazer o backup do meu computador também pela manhã. Chegou o meio dia e nenhum apareceu no Departamento. Liguei para a minha consultora e disse que não poderia mais esperar, que tinha que fazer uma perícia em outro hospital. Ela disse que eu não me preocupasse que iria até mim onde eu estivesse. Adverti para ela que tinha comigo alguns boletos que precisavam também ser pagos nesta última data. Terminei a perícia e fui entregar no Campus, já passava das 15 horas e o banco estava aberto até as 16 horas. Liguei novamente para ela que disse que não me preocupasse, que ela pagaria o imposto de renda mesmo que não fosse possível ir até onde eu estava. Nem falou dos outros recibos que eu tinha que pagar. Até ai eu estava conseguindo ser tolerante dentro da minha perspectiva positiva. O caldo começou a entornar quando eu fui entregar a perícia no Campus. Como sempre faço, eu me dirijo direto ao setor, sei que não posso entrar, mas sinalizo para a técnica que quero falar com ela e ela logo vem ao meu encontro e resolvemos tudo sem delongas. Dessa vez fui interrompido por uma senhora idosa que estava manuseando seu celular e me perguntou para onde eu ia. Eu disse que ia para o setor de perícias e que já sabia onde era. Ela me barrou com educação, dizendo que o papel dela era avisar as pessoas que chegavam. Então sentei e disse educadamente que estava com uma perícia para ser entregue. Ela entrou na sala e logo saiu dizendo que eu aguardasse que a técnica fora avisada. Eu olhava o relógio e tentava cronometrar o tempo que me restava para eu chegar até o banco com tempo de pagar os recibos que a consultora da Unicred nem tinha lembrado. Enquanto os ponteiros do relógio corriam inexoravelmente minha mente ficava ruminando a situação que eu estava. Se eu tivesse aberto a porta e avisado que estava com o documento, a moça que já me conhecia com certeza vinha logo ao meu encontro. Mas a informação que aquela senhora passou de alguém desejava entregar um documento me deixava na vala comum dos diversos Office boys cujo trabalho consiste em enfrentar esse tempo de espera. Para eles é até bom, pois significa um descanso extra. Mas para mim significava que eu logo mais iria perder a chance de pagar o documento, teria que encontrar outra forma de fazer o pagamento e com a cobrança de juros. Ai meu nível de tolerância começou a desabar. Reuni toda minha energia para chegar perto da idosa senhora que continuava manuseando seu celular, ao invés de eu mesmo abrir a porta e me anunciar como estava sendo tentado, e disse a ela: “Por favor, diga a funcionária que eu estou com necessidade de chegar ao banco para pagar documentos antes que feche”. Mesmo com todo esforço para ser educado e tolerante, senti que minha voz saía mais dura do que o comum. Por dentro eu estava revoltado, pois não custava nada eu ter aberto aquela porta e me ter anunciado. Com certeza já haveria resolvido tudo e já estava no banco. Maldita burocracia! Malditos funcionários burocráticos e suas displicências com o serviço! Por fora até que eu podia aparentar que estava sendo tolerante, mas por dentro eu já havia desabado.
Cheguei ao banco duas filas já haviam sido formadas. Eu não costumo ir a esse banco, não sabia qual delas pagava os meus documentos. Perguntei a uma moça se a fila que ela estava fazia pagamentos. Não sabia informar. Perguntei ao rapaz que estava na outra fila, ele disse que estava ali para sacar. Resolvi ficar atrás dele, não tinha visto nenhum estagiário do banco, não queria sair perguntando um a um qual das filas fazia pagamentos. Notei que minha intolerância já começava a se expressar quando um senhor chegou atrás de mim e perguntou para que eu estava na fila. Eu disse em tom alto para sensibilizar quem já me havia respondido antes. “Eu estou aqui para fazere pagamentos, mas não sei se a fila é essa, ninguém também sabe informar...”
Sai do banco depois dos pagamentos realizados e como não ia almoçar, parei para comprar uns saquinhos de castanhas. Um saquinho era dois reais, mas sempre compro três saquinhos por cinco reais. Desta vez o vendedor estava com outro freguês e pelo jeito ele estava comprando sem essa deferência. Quando fiz a proposta de levar os três por cinco, ele disse que o produto não era dele e que não podia vender assim. Deu vontade de não levar nenhum e sair de cabeça erguida. Mas me contive e levei um só saquinho. Mas senti que o fato causou uma raiva dentro de mim que mais uma vez tive que me esforçar para conter.
Cheguei nesse estado de ânimo no consultório para atender meus pacientes, consegui atender com certa educação aos que estavam marcados, mas aqueles que dependiam de minha tolerância, que queriam informações sem consulta marcada, senti que os atendi com rudeza, próximo da ignorância. Foi a declaração final de que eu não passei no teste da tolerância, quando ela realmente era requisitada. Os fatos corriqueiros da vida e que eu tenho um bom desempenho de tolerância nas suas resoluções, não trazem em seu bojo o nível de pressão que sofri nos fatos deste dia. Senti então que os mestres espirituais proporcionaram esse teste para que eu passasse por ele e minha consciência acusasse a nota que eu deveria ter. se antes eu pensava ter um oito ou mais no item devocional a Deus de tolerância, desci para seis ou menos. E mais ainda, devo ter todo o cuidado quando eu mesmo me fizer uma avaliação positiva, pois posso ser testado de imediato para verificar se bate o meu pensamento com a realidade.