Na leitura das “Fontes Franciscanas e Clarianas” Ed. Vozes, 2008, deparei-me na página 377 com o seguinte texto: “Os demônios são os carrascos de Nosso Senhor; ele os destina para punir os excessos.Mas é sinal de graça maior não deixar nada impune em seu servo, enquanto este vive no mundo. Na verdade não me lembro de ofensa que, pela misericórdia de Deus, eu não tenha lavado com a reparação; de fato, com sua paterna condescendência, ele sempre agiu comigo deste modo: mostrava-me, enquanto eu rezava e meditava as coisas que lhe agradavam e as que lhe desagradavam. Mas pode ser que por esta razão ele permitiu que seus carrascos irrompessem contra mim: porque minha permanência na corte dos grandes não apresenta boa imagem aos outros. Os meus irmãos que moram em eremitérios pobrezinhos, ao ouvirem dizer que estou com os cardeais, talvez suspeitarão que eu esteja saciando-me em delícias. Por isso, irmão, acho melhor que aquele que é colocado como exemplo, fuja das cortes e torne fortes os que suportam penúrias, suportando ele também as mesmas coisas.”
Esse texto foi motivado porque Francisco havia sido convidado pelo senhor Leão, cardeal da igreja de Santa Cruz, a que permanecesse com ele por algum tempo em Roma. Ele escolheu uma torre retirada que, disposta em forma de abóbada por nove arcadas, formava como que pequenas celas de eremitério. Então, na primeira noite, quando queria repousar, depois de ter derramado sua oração diante de Deus, vêm os demônios e travam batalhas hostis contra o santo de Deus, espancando-o por longo tempo e durissimamente, por fim o deixaram como que semi-morto. Retirando-se eles, o santo, depois de ter finalmente recuperado a respiração, chama o seu companheiro que dormia sob outra arcada e diz quando ele chega: “Irmão, quero que fiques perto de mim, porque tenho medo de estar só. Pois pouco antes, os demônios me espancaram.”
Assim, de manhã, eles se apresentam e depois de terem narrado tudo, se despedem do cardeal. Segue então as reflexões finais: Que aqueles irmãos que vivem nos palácios tenham conhecimento destas coisas e saibam que eles são abortivos, retirados do útero de sua mãe. Não condeno a obediência desses irmãos, mas repreendo a ambição, o ócio, os prazeres; afinal de modo absoluto coloco Francisco antes de todas as obediências. Mas que se resista a tudo aquilo que, agradecendo aos homens, desagrada a Deus.
Nessa leitura tiro uma conclusão interessante: todos os seres existentes no mundo, no universo em todas as suas dimensões, material, espiritual ou outras, inclusive os demônios são filhos de Deus. Também estes fazem um belíssimo trabalho, levando o sofrimento que devidamente sofrido e compreendido é um fator importante para nossa limpeza da alma.