Ontem, 12 de junho, o calendário registra um dia dedicado aos namorados. Extrema exaltação do amor romântico! Com ele também ficam exaltados todos os sentimentos exclusivistas. Para mim que pretendo viver sintonizado com o amor incondicional obedecendo a vontade do Pai, por exercício pleno do meu livre arbítrio, é um dia de muita dificuldades. Todos os meus relacionamentos afetivos com potencial de intimidade, logo sintonizam com a mensagem que esse dia traz e mostram a importância que dão à exclusividade. Quando entram em contato comigo mostram como seriam “felizes” se me tivessem com exclusividade... pelo menos nesse dia simbólico!
O amor incondicional que sinto entra em cheque! Como me comportar assim com uma pessoa que amo e cuja ação se tornará de imediato uma fonte de sofrimento para as outras pessoas que também amo? É um dia que a minha rotina não pode ser alterada em função de nenhuma delas sob a pena de não ser honesto com quem estiver à distância. Até mesmo nos cumprimentos eu sou testado nas minhas convicções. Enviei uma mensagem a uma das minhas amigas que mora em Caicó, desejando um feliz dia dos namorados. Sei que ela é casada e esperava que ela sintonizasse o simbolismo do dia com o marido que é o seu companheiro legal e vivencial. Ela me respondeu simplesmente que “não tinha namorado”. Respondi de volta, imediata e intuitivamente que quem ama jamais deixa de ter namorado! Depois fiquei a pensar nessa minha resposta, se realmente era coerente, verdadeira...
Eu sinto dentro de mim uma imensa capacidade de amar, capacidade essa tão grande, pura e poderosa, que não temo desenvolver afeto por quem quer que seja, mesmo que exista o potencial de intimidade, mesmo que não seja aceito pela cultura dominante, mesmo que eu seja abandonado por pessoa que também amo e nunca deixarei de amar. Mas se o afeto leva ao crescimento pessoal de outra pessoa amada, a elevação da sua autoestima, a sua aproximação com Deus, que obedece aos princípios do amor incondicional, então não deixo que os pensamentos e preconceitos humanos obstaculizem o fluxo do amor divino.
Estou agora fazendo este texto sentado na janela do meu apartamento. Olho para o mar, as ondas, o barulho que fazem... O dia é chuvoso, as nuvens encobrem o sol que já deve ter nascido. Vez por outra caem gotas no vidro impulsionadas pela leve brisa que envolve uma manhã maravilhosa. Vejo as pessoas a caminharem de um lado para o outro no calçadão da praia, fazendo exercícios ou trabalhando. Outras passam rápidas em seus veículos... sinto o meu amor se derramar por tudo e por todos, da mesma forma que o Baghavad Gita orienta: uma devoção constante e imaculada a Deus. Vejo Deus em tudo e em todos, a quem meus olhos percebem, a quem minha memória lembra. Aí fico pensando na minha resposta: “quem ama jamais deixa de ter namorado”.
Então, quem eu posso considerar namorado neste exato momento? O mar, o vento, as nuvens, as pessoas visíveis ou lembradas? Tudo? Oh, meu Deus, é a Tú!!!! És Tu que és meu namorado! Se eu for para o mar agora e me abraçar com as ondas, eu estarei namorando Contigo; se eu estou aqui sentado e sinto a brisa delicada a me dar um prazer sutil que me acaricia o rosto, eu estou namorando Contigo; se eu sentir o pingo da chuva na minha pele e corro envolvido pelo prazer das gotas a tamborilarem em cada ponto do meu corpo, eu estarei namorando Contigo; se eu descer para o calçadão conversar com um caminhante, sorrir pra uma criança, lembrar de uma das minhas amadas, eu estarei namorando Contigo. Assim é verdade, que quem ama jamais deixará de ter namorado. O que deve causar confusão é o foco que cada pessoa desenvolve. Geralmente as pessoas se envolvem com o amor condicional, entre eles o romântico, e prioriza aquela pessoa como o seu foco fundamental do amor. Qualquer outro amor que surja é um concorrente, um adversário que deve ser identificado pelo ciúme e eliminado pela exclusão. Como a minha sintonia é com o amor incondicional cuja essência é Deus, isso permite que eu esteja namorando a qualquer momento qualquer pessoa sem a preocupação que existam outros afetos, tanto por mim quanto por ela. Meu foco não é a pessoa em si, é a Deus que ela representa nesse momento. Eu estou namorando Deus quando dou pleno amor a essa pessoa. A intimidade não serve de senha para a exclusividade, pelo contrário, deve ser vista como o pagamento generoso de Deus pelo cumprimento honesto de Sua vontade.
Posso chegar agora perto de minha amiga de Caicó e dizer-lhe que estou namorando também com ela, pois sinto prazer em fazê-la feliz com a minha conversa, em vê-la crescer com a leitura dos livros que dou ou empresto, com o respeito a sua condição de pessoa comprometida com seus valores e que o potencial de intimidade que temos pode nunca se realizar se assim não sinalizar os critérios do amor incondicional, os critérios de Deus, que afinal de contas passa a ser nosso namorado; nossos corpos servem apenas de instrumento para a Sua vontade.
Desta forma, hoje atingi uma compreensão mais clara do dia dos namorados, mesmo que seja completamente diferente daquela compreensão que a cultura defende, onde o sentimento de exclusão prevalece e os valores materiais na forma de presentes são considerados a prova de amor. Não necessito provar com bens materiais o amor que eu tenho e distribuo. Sou como um perfume que ao toque vou com a pessoa por onde ela for, mesmo que eu fique no meu frasco (corpo) por mais distante que seja. É essa essência que é o meu presente constante, que se renova a cada toque, a cada encontro, pois também já não sou eu, é o Deus que existe em mim!