O anúncio do Reino de Deus feito por Jesus leva em consideração o remanejamento das relações humanas em direção ao espírito de unidade, à família universal. Para isso acontecer é necessário que façamos a reformulação da atual base da sociedade humana, a família, pois esta é construída atualmente nos critérios do amor romântico que são exteriorizados no egoísmo, na exclusividade, tanto parental e principalmente conjugal, no ego pessoal.
Quando o Mestre exige: “Quem não renunciar a tudo que tem não pode ser meu discípulo”, visa Ele, em primeiro lugar, não a renúncia aos bens objetivos, mas ao bem subjetivo do nosso ego, que é o grande mal. Quem não renunciou ao seu ego pessoal não pode renunciar aos objetos impessoais ou pessoas significativas. E ainda que a estes renunciasse não seria uma renúncia perfeita, mas uma renúncia forçada e dolorosa. Uma renúncia feita com dolorosidade não é uma renúncia garantida. Renúncia perfeita é somente aquela que se faz com alegria e espontaneidade – e esta renúncia aos objetos impessoais e seres significativos só é possível na base de uma renúncia ao ego pessoal. Quem renunciou ao seu ego subjetivo não encontra nenhuma dificuldade na renúncia aos bens objetivos ou pessoas que ama, que é uma simples consequência direta daquela.
Nos relacionamentos de natureza egoísta uma simples pergunta que leva a uma resposta de envolvimento do ser amado com outra pessoa, já é suficiente para criar uma forte fonte de mal-estar; uma simples observação de uma situação que pareça sinalizar o envolvimento da pessoa amada com outra é uma forte fonte de sofrimento. Tudo isso acontece, pois a pessoa mantém o seu ego pessoal ativo e este não quer perder nada que considere seu, seja bens objetivos ou pessoas amadas. Isso antipatiza a todos que constituam uma ameaça aos seus interesses egóicos, que favorece a raiva e a inimizade, o ciúme e a exclusão. Com essa disposição jamais será alcançado o espírito de unidade necessário ao Reino de Deus.
É necessário que reconheçamos uma bipolaridade em nossas vidas, se queremos nos reformular para criar novos relacionamentos condizentes com o espírito de unidade, com a família universal, com o Reino de Deus. Somos pecadores somente no ego humano, mas também possuímos o Eu divino capaz de promover a nossa autorredenção.
Este é o esforço que o Mestre espera que possamos fazer com consciência e firmeza, a renúncia subjetiva do nosso ego pessoal para sermos capaz de renunciar com alegria a tudo que imaginamos possuir, bens materiais e pessoas amadas.
Então, volto a enfatizar a importância dessa condição se quisermos seguir a lição do Mestre: somos portadores de bipolaridade na nossa natureza humana, admitimos tanto o homem-pecador como o homem-redentor. Assim, podemos partir para o espírito de unidade, amando ao Pai acima de todas as coisas, e ao próximo como a nós mesmos!