Novamente, se me permitem, vejo incoerência nas palavras do rei Salomão. Ele diz o seguinte, na Bíblia, em Provérbio: “Ter dois pesos e duas medidas é objeto de abominação para o Senhor.” (20:10); e “Ter dois pesos é abominação para o Senhor; uma balança falsa não é coisa boa.” (20:23).
Ontem mesmo ao abordar o “dom de Deus” que ele considerava quando achava uma mulher, eu já identificava esse problema, dele estar usando dois pesos e duas medidas com as suas centenas de esposas e concubinas. Hoje ele foi claro a condenar esse comportamento, certamente não tinha consciência que o fazia. Como isso pode ter acontecido?
Salomão reinava naquela época sob a Lei de Moisés, aquela que emanava dos dez mandamentos e que orientava o “olho por olho e dente por dente”, como a essência da justiça. As relações interpessoais estavam firmemente amarradas no decálogo e nas instituições e nos compromissos assumidos dentro da coletividade, com pouca margem de variabilidade comportamental. Então, ele era o Rei, possuía a autoridade real e a instituição, o palácio, que devia preservar dentro da cultura machista da época, quando o homem era um ser superior a mulher em diversas facetas da vida, doméstica, política, religiosa. Nada mais natural do que ter as mulheres que pudesse manter, sem pedir a elas nenhuma consideração. Se estava dentro da lei de Moisés e obedecia aos padrões culturais, então não via que podia estar usando dois pesos e duas medidas, que estava usando uma balança falsa com as mulheres.
Com a vinda de Jesus essa Lei de Moisés foi sutilmente retificada, mas com forte repercussão nos relacionamentos. Agora Jesus aconselhava o perdão e até o amor aos inimigos, e não o olho por olho e dente por dente; agora Jesus ensinava que o maior item da Lei e que resume todos os outros, é amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo com a si mesmo. E o próximo pode ser uma mulher! Eu não posso querer para ela algo que eu não quero para mim. Eu só posso querer para ela aquilo que desejo para mim. Caso Salomão vivesse hoje e fosse guiado pelas instruções de Cristo, como ele já tinha a sabedoria de que não podia usar dois pesos e duas medidas, nem qualquer balança falsa, permitiria que suas centenas de mulheres tivessem os companheiros que também tivessem o dom de encontrar sob a influência de Deus, como acontecia com ele, para dividir afetos e intimidades. Dispensaria todos os eunucos e o palácio poderia ser transformado num modelo da família universal que deve ser a célula mater do Reino de Deus.
Com a nova orientação de amar ao próximo como a si mesmo, também se abriu várias opções de condutas pessoais, já que nossos desejos são múltiplos dentro de nossa consciência. Se quisermos ajustar esses desejos à Lei de Deus, conforme Jesus orientou, devemos nos comportar sempre visando o bem estar do próximo, sem deixar que os nossos desejos o prejudique de qualquer forma que não queiramos para nós. Então, se eu desejo para mim o relacionamento com diversas mulheres, devo também considerar e permitir que essa mulher também deseje e tenha direito de ter diversos homens. Este é o ajustamento da balança que Jesus permitiu. Não podemos ser hipócritas, dizer que aceitamos a orientação de Jesus e manter relacionamentos, por exemplo, monogâmicos, onde apenas o homem tem o direito de se relacionar com outras mulheres, com toda a permissividade cultural.
Eu, que sou cristão, que procuro seguir a lição de amar ao próximo como a mim mesmo como uma bússola na condução dos meus relacionamentos interpessoais até o limite da intimidade, tive que fazer mudanças radicais na forma de ver a vida, nos meus paradigmas mais profundos. Hoje tenho, como Salomão, o desejo de me relacionar com as várias mulheres que o Senhor permitiu o dom de perceber e amar, mas sempre procurando sentir o que faço de positivo ou de negativo, para trazer sempre o bem estar a essa pessoa, para favorecer o seu crescimento individual, os seus desejos mais íntimos, até o ponto de aceitar os relacionamentos que ela deseje praticar com outras pessoas. Mesmo que agindo assim eu saiba que me torno o patinho feio da cultura tradicional; que até mesmo as minhas companheiras tenham dificuldade de aceitar esse direito que nós temos de ficar com os companheiros que desejamos, sem críticas ou cobranças; de em consequência disso eu ter que morar sozinho e viver assim o grande paradoxo da minha vida: tanto amor ao meu redor e viver sem ninguém ao meu lado!