Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
25/07/2013 00h01
O IRMÃO PRÓDIGO

            Hoje fiz um paralelo com a parábola do filho pródigo. Nessa lição Jesus ensinou que o filho retorna à casa paterna depois que leva a sua herança e a desperdiça pelo mundo. É recebido com júbilo e amor pelo pai, pois este reconhece nesse retorno a recuperação do filho que havia dado como perdido.

            Sempre que eu volto à noite para casa fico incomodado com as meninas de programa que se colocam estrategicamente em alguns locais próximos do meu apartamento em busca de clientes. O meu incômodo não tem nada a ver com preconceitos de qualquer natureza, e sim pela minha indiferença comportamental. Mesmo que minha consciência entre em rebuliço dizendo que eu devia fazer alguma coisa para ajudá-las, não faço nada! Entro no apartamento e fico ruminando um tipo de frustração até que o tempo se encarrega de diluir a culpa da minha consciência. Mas sempre que volto para casa, o mesmo drama se repete. Fico a pensar cada vez com mais energia que devo fazer alguma coisa para sair dessa inércia, por mínimo que seja, para dar um simples picolé, já que sempre eu levo alguns para chupar durante a noite. Mas por um motivo ou outro, nunca realizo o que pretendo.

            Fico a pensar nos mecanismos cognitivos que impedem a realização de um ato tão simples quanto esse. Lembro que fui criado num ambiente onde convivia com mulheres que trabalhavam nesse tipo de comércio, vender o próprio corpo para atender os desejos de pessoas que elas nunca haviam visto antes. Sei que existe um prazer muito intenso no ato sexual, um prazer que finaliza com um orgasmo, o prazer mais completo que podemos experimentar. Mas sempre eu associei o ato sexual com a existência do amor, e essas meninas não cogitam o amor, oferecem simplesmente o seu corpo em troca do vil metal, e pronto! Tento me colocar no lugar delas e me sinto terrivelmente incomodado, me sinto invadido, estuprado... No entanto elas se submetem a essa situação noite, após noite. Mas o que me impede de ajudá-las por mínimo que seja? Minha timidez adquirida desde a infância? A vergonha de me verem falando com essas meninas e estarem a imaginar que estou contratando uma sessão de prazer? O orgulho de na condição de profissional autônomo, considerado na sociedade e titulado academicamente, ser nivelado com pessoas de tão baixo nível social?

            Pode existir algum desses fatores ou todos juntos para impedirem o que minha consciência aponta. Mas existe outro fator de importância fundamental e que constitui o aspecto primordial dos paradigmas de minha vida: o espiritual. Essas meninas tem a idade de serem as minhas filhas, mas sei que elas tem um pai biológico que não sou eu; que tem um Pai primordial que também não sou eu. O Pai primordial que elas possuem, o Deus que conhecemos pela fé, é o mesmo Pai que me criou. Então somos irmãos. E porque eu não surjo na frente delas como um irmão, e não como um amante ocasional? Não é isso que o nosso Pai deseja? Que nós nos amemos uns aos outros? Mesmo sem a necessidade de sexo, por mais apetitoso que nos pareça, do ponto de vista material? Parece que eu perdi a condição de irmão dessas minhas irmãs, elas ficam ao largo do meu caminho, me acenam com suas mãos carentes e corpos à exposição, mas eu passo e não ouso dar nenhum olhar, nem um sorriso, para quem é tão deserdada pela sorte. Elas não estão estendendo as mãos pedindo uma esmola, estão oferecendo seus corpos na forma de trabalho. Eu não quero usufruir desse tipo de trabalho, mas não considero com a devida compaixão essa pobre trabalhadora que não ver ao seu redor outro recurso a não ser usar o próprio corpo para a sua sobrevivência, e quem sabe, ajudar na sobrevivência de um filho, de uma mãe, de uma irmã menor.

            Hoje foi mais uma noite que ao voltar para casa vinha abastecido de picolés e sorvete. Ao me aproximar do meu destino, veio novamente a lembrança de minhas irmãs sentadas nas calçadas ao longo do meu percurso. Disse comigo mesmo, hoje será o dia. Darei pelo menos uma caixinha de sorvete das diversas que comprei. Não me intimidarei por nada. Peço ajuda a Deus para ter sucesso desta vez. E Deus parece que me ajudou. Facilitou o que eu pretendia fazer. As ruas estavam desertas, só duas garotas estavam sentadas num batente de porta, uma ao lado da outra. Tomei coragem e parei o carro ao lado delas. Uma delas se levantou entusiasmada como atingida pela alegria de ganhar um cliente. Cumprimentou-me com palavras carinhosas que nem lembro agora quais foram. Antes que ela se aprofundasse nas suas armas de sedução, perguntei se elas gostavam de sorvete. As duas responderam que sim, e como se imaginassem, perguntou se eu trazia para elas. Respondi que sim e peguei a caixinha que tinha colocado com facilidade ao meu lado, para não ter dificuldade na hora de alcançá-la. Perguntei o nome da garota que se aproximara de mim, respondera “Jarlene”, recebeu a caixinha com alegria e me agradeceu em nome de Deus. Também pedi a Deus que ficassem com elas e fui embora sem mais delongas.

            Sei que o gesto que fiz foi mínimo, tendo em vista o meu potencial financeiro, mas senti que naquela hora eu me comportei como um irmão para elas, o irmão que elas ganharam quando eu nasci e que perderam durante o meu processo de crescimento, a minha evolução dentro dos rígidos processos da sociedade, que deixa de lado sem nenhuma compaixão os mais fracos e até os usam até a última gota de suor e sangue. Espero que o “irmão” de todas elas tenha voltado, que não deixe de ajudá-las quando qualquer oportunidade se apresentar. Sei que no céu, a cada bala gelada que elas comiam na solidão daquele caminho, os sinos repicavam informando ao Pai sobre a alegria de irmãos que se encontraram, de um irmão perdido que se achou. Espero que eu seja a partir de hoje, sem mais timidez ou indiferença, esse “irmão pródigo”!

Publicado por Sióstio de Lapa
em 25/07/2013 às 00h01
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