O conceito de arrebatamento me trouxe certa estranheza na primeira vez que o vi. Como era então, que Deus tirava os seus filhos mais queridos do meio da coletividade aonde ele viera para aprender e colaborar com o crescimento moral de todos? Não era para os mais aplicados na Lei do Amor permanecerem entre os pecadores para exercerem uma influência positiva no meio da perversidade da humanidade? Essa reflexão se tornou mais urgente quando me deparei com seguinte trecho da Bíblia, no Livro da Sabedoria (Sb 4: 10-20):
10 Ele agradou a Deus e foi por Ele amado, assim (Deus) o transferiu do meio dos pecadores onde vivia.
11 Foi arrebatado para que a malícia lhe não corrompesse o sentimento, nem a astúcia lhe pervertesse a alma:
12 porque a fascinação do vício atira um véu sobre a beleza moral, e o movimento das paixões mina uma alma ingênua.
13 Tendo chegado rapidamente ao termo, percorreu uma longa carreira.
14 Sua alma era agradável ao Senhor, e é por isso que Ele o retirou depressa do meio da perversidade. Os povos que veem esse modo de agir não o compreendem, e não refletem nisto:
15 que o favor de Deus e Sua misericórdia são para seus eleitos, e sua assistência está no meio dos seus fiéis.
16 O justo, ao morrer, condena os ímpios que sobrevivem, e a juventude, atingindo tão depressa a perfeição, confunde a longa velhice do pecador.
17 Eles verão o fim do sábio, e não compreenderão os desígnios do Senhor ao seu respeito, nem porque Ele o pôs em segurança.
18 Eles verão e mostrarão desprezo, mas o Senhor zombará deles.
19 Depois disso serão cadáveres sem honra, desterrados entre os mortos, numa eterna ignomínia, porque Ele os ferirá e os precipitará sem voz, abatê-los-á nas suas bases e mergulhá-los-á na última desolação. Eles serão entregues a dor, e a memória deles perecerá.
20 Comparecerão aterrorizados com a lembrança de seus pecados, e suas iniquidades se levantarão contra eles para confundi-los.
Bem mais confuso fiquei ao ler esse texto. Ficou a impressão que o Deus que reconheço como Pai e quer o bem estar de “todos” os seus filhos, não é este mesmo Deus que está intuindo essas palavras ao escritor deste livro da Bíblia.
Primeiro, entendo que Deus nos enviou para viver em determinado local, com determinadas pessoas para aprender a amar e aplicar a Lei do Amor, assim como o Mestre Jesus nos ensinou. Então, por que Deus iria nos retirar de determinado local devido a existência nele de pecadores? Não é em função deles que o meu exercício do ato de amar se torna mais importante como objetivo de minha vida? De tentar a conversão do coração pecador através da prática do Amor, como Jesus ensinou?
Caso eu fosse arrebatado do meio em que vivo, desde que eu entendo que tenho um coração que pretende ser puro e por isso entendo ser “bem amado” por Deus, deveria entender que isso era para a minha proteção, para que a malícia do meu próximo não me corrompesse o sentimento, nem que a astúcia deles me corrompesse a alma? Porque Ele sabe que a fascinação do vício atira um véu sobre a beleza moral, e o movimento das paixões mina uma alma ingênua? Tudo bem, posso até me considerar como uma alma ingênua, afinal muitas pessoas me classificam assim... Posso me considerar realmente no meio da malícia, da astúcia, do vício, das paixões... E por isso o Pai teria motivos para me arrebatar. Mas, onde ficaria o cumprimento de minha missão, que Ele, meu Pai, deu para mim? De colaborar com a construção do Seu Reino, assim como Jesus ensinou? De usar todos os recursos acadêmicos, emocionais, sentimentais e morais que até agora Ele me proporcionou? Não devo mostrar força moral frente a malícia que tenta corromper meus sentimentos? Não devo demonstrar inteligência frente a astúcia que tenta perverter minha alma? Não devo ter resistência espiritual para penetrar no antro mais perverso, da fascinação do vício, perceber o movimento das paixões tentando envolver com o seu véu a beleza moral do Reino de Deus e jogar sombras sobre a luz do esclarecimento divino para a transformação do coração egoísta?
Sei que Deus tem suas razões por temer por meu fracasso, sabendo que sou ainda uma alma tão frágil, que fica presa a adversários bem menos perigosos, como a gula e a preguiça. Mas não é justo que Ele não me deixe tentar, sendo esse o meu desejo, o meu livre arbítrio. Sei que no caminho já cometi erros severos, mas minha razão acusou e já corrigi essa falha no campo da consciência. Continuo minha jornada sempre sintonizado com Ele e procurando usar todos os recursos que Ele me ofereceu para o cumprimento de minha missão. Sei que se fracassar agora, terei outras oportunidades e cada vez mais com maior maturidade para atingir o propósito que Ele tem para mim. Assim, mesmo que haja um provável fracasso da minha missão, mesmo assim isso irá contribuir para que eu perceba os erros que cometi e tentar evitar os mesmos no futuro.
Outra questão que me traz dúvidas da identidade desse deus do Livro da Sabedoria não ser o mesmo Deus que Jesus apresentou e que reconheço como Pai, é que lá é dito que o favor dEle e Sua misericórdia são para seus eleitos, e sua assistência está no meio dos fiéis; que o Senhor zombará dos pecadores; que serão desterrados entre os mortos numa eterna ignomínia; que os ferirá e precipitará sem voz; que os abaterá nas suas bases e mergulhá-los-á na última desolação; que serão entregue a dor e a memória deles perecerá; que serão confusos pelas próprias iniquidades.
Jesus ensinou que todos somos filhos do mesmo Pai, assim como ele, Jesus, que somos os seus irmãos; que Ele foi enviado pelo Pai para nos ensinar essa verdade; que o Pai quer que “todos” os seus filhos saiam da ignorância do pecado e que atinjam a vida eterna com felicidade; que os irmãos mais adiantados ensinem os mais atrasados, os mais sábios ensinem os mais ignorantes; e que, a quem muito for dado a muito será cobrado.
Então, são condutas totalmente diferentes escritas no mesmo livro sagrado: a Bíblia. A quem seguir? Não podemos servir a dois senhores, também está escrito nesse mesmo livro. Eu já fiz a minha escolha. Escolhi seguir os ensinamentos de Jesus e reconhecer como Pai o Deus do Amor, o Deus que quer o bem estar para todos seus filhos, por mais pecador que sejam; o Deus do perdão 70 x 7 ou mais além...
É este Deus, meu Pai, que não vai me arrebatar do meio dos meus irmãos só porque eles me ameaçam dentro de suas ignorâncias, com suas malícias, astúcias e paixões. Ele espera que eu cumpra pelo menos alguma parte da missão que Ele me destinou; e eu espero ser digno de sua confiança nos limites das minhas forças e de todos os recursos que Ele envia para mim e eu consiga operacionar.