As vezes eu sinto com muita força a dimensão do problema em que estou dentro. A missão que Deus colocou em minha consciência e os padrões culturais que imperam ao meu redor; a aplicação do Amor Incondicional dentro de todos os relacionamentos e o império do amor romântico que existe como a base da formação da família, célula principal da sociedade.
Assisti a cerimônia de casamento no último sábado que me fez refletir em tudo isso e em que ponto eu estou se quero fazer realmente a vontade de Deus. Para mim seria bem mais simples, escolher dentre várias pessoas que me amam uma para ser minha esposa dentro dos critérios culturais e viver em paz e em exclusividade com ela até o fim da vida. Sei que ficaria mais incluído dentro dos valores culturais e morais da minha comunidade, não teria tantos conflitos quanto os que eu gero ao meu redor e que deixa todos, inclusive eu, vivendo na dimensão de um sofrimento crônico por não atingir ou sintonizar com o interesse de todas as mulheres que se interessam por mim. Mas decidi fazer a vontade de Deus assim como Ele colocou em minha consciência, e assumi todos os conflitos e sofrimentos advindos dessas relações de amor inclusivo que tendem a se ampliar para a formação da família universal.
Observei na cerimônia de casamento todo um ritual para a criação e manutenção da família nuclear. Interessante, que o fato ocorreu justamente na igreja que eu casei há cerca de 40 anos, e que eu estava naquela época com a mesma consciência desses jovens nubentes de hoje com relação ao casamento. Observei que o padre procurava fortalecer os laços emocionais em torno de um compromisso de fidelidade para a vida toda, e que envolvia parentes e amigos como testemunhas e reforçadores desse ato.
Percebi intuitivamente que a missão que o Pai me destinou era para reforçar os laços de fraternidade e de inclusividade nos afetos de todos os irmãos. Não é necessário que tal cerimônia seja extinta, ela pode muito bem persistir, mas com uma nova conotação não exclusivista. A fidelidade que o padre se referia deverá ser feita e procurada cumprir com relação ao Amor Incondicional que no momento se deixa representar pelo amor romântico que aproximou o jovem casal e gerou a motivação para continuarem na vida como companheiros. Todos que estavam presentes na igreja seriam considerados como irmãos muito mais próximos, os filhos de cada casal seriam considerados muito mais próximos dos nossos próprios filhos. Lembro que tinha uma garotinha por volta de um ano de idade ao lado de seus pais. Ela mexia com o meu braço e olhava sorrindo prá mim, como a perguntar: “E aí, não vai fazer nada?” eu sorria de volta, mas não tinha coragem de abraçá-la e beijá-la, eu era um estranho para os pais... No Reino do Pai essa “estranheza” não existirá, eu seria considerado um irmão querido por mais distante que a minha fisionomia fosse, talvez até um pai se por acaso aquela criança necessitasse com urgência de um. No Reino do Pai o carinho por cada um, homem ou mulher, seria uma constante, uma atmosfera total onde todos possam contribuir com honestidade de afetos em seus corações, que permitam os seus companheiros interagirem com os demais em quaisquer níveis de amor, pois a prioridade em tudo seria a do Amor Incondicional, que jamais visa o prejuízo de ninguém, pelo contrário, visa sempre o bem estar individual e principalmente o coletivo.
Fiquei imaginando tudo isso enquanto a cerimônia do casamento se desenrolava à minha frente. Fiquei avaliando o quanto seria difícil e sofrido reverter todo esse processo cultural, e se isso valeria realmente à pena. São esses momentos de crítica que chego a imaginar se não estou sendo vítima de um erro de compreensão, se Deus quer realmente que eu siga este caminho que imagino ser o certo e a Sua vontade.
Sai um pouco da igreja, um tanto confuso, antes da cerimônia acabar, no momento que as testemunhas no altar assinavam frente ao padre o ato de suas responsabilidades e o coro acima dos presentes entoava músicas de apelo divino e romântico, uma espécie de antecâmara do paraíso. Como poderia estar errado tudo isso? Entrava uma forte crítica na minha mente. Parecia “acender uma sombra” de dúvida em minhas convicções. Foi quando Deus falou comigo, como sempre faz quando estou em dúvida ou preciso aprender alguma coisa. Não com palavras, com gestos ou com ações miraculosas. Falou na Sua linguagem mais natural, através da expressão da natureza, e no caso da natureza humana da qual nós precisamos tanto aprender. Do outro lado da rua, deitado na calçada suja com roupas esmolambadas, sem voz e sem ação, um homem que parecia dormir sob o efeito do álcool. Assim estava anestesiado em seu sofrimento, que sofria calado, sem nem ao menos poder olhar em torno, sem compreender toda a movimentação que estava ocorrendo ao seu lado. Poderia estender a mão, lançar pelo menos um olhar lacrimoso como pedido de socorro. Mas nem mesmo isso!
Foi quando o Pai forçou a minha mente para que eu fizesse a comparação. Os noivos estavam saindo da igreja, chuva de arroz cobria a cabeça de ambos, flashes das máquinas fotográficas iluminavam com mais fulgor o ambiente já devidamente iluminado. Pessoas bem vestidas e perfumadas circulavam e se confraternizavam e planejavam continuar a festa num ambiente mais profano, uma casa de recepções onde a alegria poderia continuar com toda a pompa, inclusive com bebidas alcoólicas. Eu falava com minha amiga sobre projetos de ajuda fraterna em comunidade carente de sua cidade. O Pai dirigiu minha memória para as lições do Mestre, da parábola do bom samaritano. “Onde está Francisco, uma alma boa parecida com a daquele samaritano citado por Jesus, para atender ao irmão caído na sarjeta do sofrimento, do assalto que a vida lhe atingiu pela ganância e indiferença dessa cultura que nesse momento se afirma? Acabasses de ouvir o padre dizer que esse casal que se une pelo sacramento do matrimônio deve ser feliz um para o outro, com fidelidade simultânea, até o fim da vida... Isso me satisfaz, é verdade, mas com exclusividade para esse único casal, jamais! Esse homem que está ali jogado na calçada, é o meu filho também. Enquanto ele não for atendido e suas chagas físicas e morais saneadas, e o motivo que o levou a isso prevenido, eu não estarei satisfeito! Foi para ele que eu mandei Jesus, que eu mandei tantos outros, inclusive você! Eu espero. Pelo menos tu olhas o que acontece e me ouves... Mas por que duvidas? Eu até entendo a sua fraqueza no agir, de não chegar perto daquele pobre homem e o atender como um irmão biológico que eu sei que você faria. Eu entendo as tuas inibições, timidez, medo, vergonha... talvez orgulho... Entendo e perdoo tudo isso. Mas cuidado, não posso perdoar a hipocrisia, não posso perdoar a dúvida do que é certo e que tu já sabes! Não posso perdoar a covardia moral de não enfrentar esse status quo social para viver confortavelmente uma vida medíocre! Cuidado, filho, eu te amo pelo que te tornastes com teu esforço, um doutor, um médico, um cientista... pelo quanto consegues receber de bens materiais e reconhecer como meus e que deves administrar em forma de comodato de acordo com minha vontade... pelo quanto tivesses condições de aproveitar os dons que eu te dei. Mas eu também amo aquele meu filho jogado na sarjeta, apesar de derrotado na luta da subsistência, de ter perdido todos os referenciais, familiares, religiosos, financeiros e espirituais e não admito que seus irmãos não o considerem como tal!”
Foi assim com a orelha quente como se tivesse sofrido um puxão do Pai que segui para o local onde terminaria a festa do casamento. O meu aspecto era de acabrunhamento e que se somava ao cansaço do trabalho do dia. Confesso que não tinha mais energia, física ou moral, para permanecer na festa. Contei com a compreensão da minha companheira, que também não estava à vontade naquelas circunstâncias, e voltei para casa sozinho e envergonhado sem nem ao menos ter entrado naquele ambiente festivo.
Cheguei no apartamento e vim fazer este texto como uma espécie de dever acadêmico frente ao Criador. Devo reforçar o meu compromisso com o Pai de cumprir a Sua vontade, de ser exemplo na aplicação do Amor Incondicional, de amar com inclusividade a todos, a ninguém desprezar, a ninguém ser indiferente, por mais próximo ou distante que esteja, por mais profundidade ou superficialidade do amor, por mais críticos ou perversos sejam contra mim... todos são filhos do Pai, todos são meus irmãos! E o Pai confia e espera por mim!