Fazendo a leitura atrasada dos meus livros de leitura diária devido a viagem à Curitiba-PR, encontrei no Pão Diário, dia 20-10-13, meu aniversário, esse texto escrito por Poh Fang Chia:
“Que há num simples nome? O que chamamos rosa, com outro nome não teria igual perfume?”, divagou Julieta para Romeu, na famosa peça de Shakespeare. Evidentemente ela não era hebréia. Pois o povo da antiga Israel achava que o significado por trás do nome de alguém tinha importância vital. Os pais escolhiam um nome cuidadosamente, baseando-se na personalidade, características ou caráter que eles viam em seu filho, ou o que eles desejavam para o futuro dele.
Isso me faz lembrar as condições em que se deu a escolha do meu nome. Sou o primogênito de minha mãe e de meu pai. Durante o nascimento, por vivermos numa cidade do interior, uma ilha salineira no Rio Grande do Norte, não existiam muitos recursos para o acompanhamento e parto das gestantes. A mortalidade infantil era altíssima. Pela minha condição de primogênito eu era uma das crianças de alto risco ao nascer. E foi isso que aconteceu. Minha mãe dentro de sua casa tinha a assistência apenas de uma parteira comunitária, uma curiosa. A minha cabeça grande que deveria passar pela primeira vez por um canal vaginal, já constituía um desafio. Mas a aventura tinha que ser iniciada. Logo foi observado que a incompatibilidade entre cabeça e canal do parto não iria promover a expulsão natural. Eu estava ameaçado de morte, e minha mãe também. Não existiam condições de fazer a cirurgia, a cesariana; não havia ferros para tentar puxar a cabeça avantajada. O tempo não sabia esperar... Só havia um jeito, tentar com as próprias mãos puxar tamanha cabeça e rezar pelo sucesso da ação. Tal atitude deveria ter um auxílio espiritual. Como estávamos no mês de outubro, o mês de São Francisco, minha mãe e demais parentes não tiveram dúvidas. Sentaram na mesa de negociação com ele e prometeram que se eu sobrevivesse, eu seria dedicado a ele, que o meu nome seria o dele. Feito o contrato, a parteira agora encorajada pelo apoio do santo, mergulhou suas mãos no canal vaginal e segurou com firmeza a minha frágil cabeça. Seus dedos mergulharam na fragilidade dos ossos do crânio que ainda não estavam calcificados e puxaram com vigor através do pescoço o resto do corpo. Foi um sucesso. Consegui sair vivo, minha mãe também escapou, mas deixou suas seqüelas físicas em minha cabeça, a marca dos dedos da parteira que ainda hoje posso sentir, e o meu pescoço que não encontra o centro da gravidade e quando eu vou fazer retratos o fotógrafo sempre orienta para corrigir a verticalidade do pescoço. Mas isso não importa tanto, ninguém que se disponha a observar com rigor irá perceber as marcas na minha cabeça ou o desvio do pescoço. O que importa mais é a herança do nome: Francisco. Não entendo bem porque não colocaram Francisco de Assis, já que seria o mais esperado, pois o santo é reconhecido mundialmente como tal. Preferiram privilegiar o aspecto “das Chagas” que também é uma característica do santo. Talvez prenunciando as chagas que eu iria ter não no corpo, mas sim na alma, por querer cumprir o desiderato de Deus em minha vida.
Confesso que a partir do momento que eu ia crescendo e conhecendo o mundo, nunca dei a devida importância ao meu nome. Mesmo porque poucos me chamavam por ele, sempre era com apelidos, carinhosos pela família ou irônicos pelos colegas: Chiquinho, Francisquinho, Titico, Dr. Satã, Já Morreu... são os que lembro agora. O meu nome mesmo eu só ouviria com mais freqüência na chamada da escola.
Mas foi durante o serviço militar que houve uma reviravolta com relação ao meu nome. Eu passei a ser chamado pelo sobrenome: era o marinheiro Rodrigues. Gostei. Era um nome mais austero. Continuei os meus estudos e consegui me graduar em medicina. Passei a ser conhecido de forma definitiva como o Dr. Rodrigues.
Acontece que um aspecto da minha vida passou a ter cada vez mais importância dentro de minhas prioridades: a vida espiritual. Então verifiquei todo esse passado e que eu tinha um compromisso firmado por minha família e agora estava sendo firmado também por mim. Passei a associar na minha marca o nome Francisco. Marcava meus livros não só com o Rodrigues de antes. Agora eu marcava como Francisco Rodrigues e dava muito mais valor ao Francisco, o nome de origem espiritual comparado ao Rodrigues de origem material, biológico, familiar.
Consegui perceber a vontade de Deus na minha vida, os caminhos que ele me ofereceu no passado, no presente e me oferecerá no futuro. Parece que Deus também referendou esse acordo feito no meu nascimento, pois me oferece oportunidades de conhecer o meu protetor em profundidade, inclusive colocando ao meu lado uma companheira vinda de um convento onde aprendeu a essência de São Francisco; permitiu a eleição de um papa que assumiu no primeiro momento o nome de Francisco e implementou no Vaticano a prática franciscana.
No passado São Francisco de Assis mostrou que poderíamos ser um exemplo do Cristo, assumindo a humildade, a pobreza, a castidade, o amor por toda a natureza. Deus colocou em minha consciência que eu deveria agora dar um passo além e procurar cumprir a promessa da construção do Seu Reino aqui na Terra, como nos céus. Assim, Ele me deu oportunidade de aprender aspectos científicos importantes da vida, tanto no campo material quanto no espiritual, de reconhecer toda a natureza como Sua criação e todos os seres vivos como irmãos, que podem conviver como uma só família, a família universal, sem exclusivismos, ciúmes ou intolerância com a ignorância dos mais fracos. Também colocou e continua a colocar ao meu lado tantas companheiras que de uma forma ou de outra contribuíram e ainda contribuem para a realização dessa tarefa, que só pode ser realizada com a inclusividade do Amor Incondicional. Da mesma forma que Ele confiou em Francisco de Assis, acredito que Ele confie em mim, mesmo porque tenho essa dívida do nascimento, na marca do meu nome. Só espero ter toda a determinação e coragem que meu protetor teve em Assis e que serviu de modelo para o resto do mundo.