Encontrei meu amigo de infância após tantos anos. O tempo serviu, além do encanecer dos nossos cabelos, para fortalecer nossa amizade. Saímos juntos para visitar outros amigos e assim ampliarmos o leque das amizades. As conversas desenvolvidas em várias ocasiões sempre giravam em torno do nosso comportamento no passado e a compreensão do que estava acontecendo no momento atual e suas repercussões no futuro. Como não poderia deixar de ser entre amigos de tão forte profundidade, as críticas surgiram como irmãs siamesas dos comentários reforçadores da amizade. Não é que a crítica também não seja reforçadora da amizade, mas que é um instrumento importante, necessário e perigoso, tanto para quem faz quanto para quem recebe. É a crítica feita pelo amigo que vai em direção ao nosso ego e diz com outro olhar o que pode ser percebido pela sociedade e que não nos damos conta, porque a nossa autocrítica não alcançou aquela compreensão. É essa informação crítica que pode ser feita de forma pejorativa, corretiva ou condenatória; também pode ser feita de forma compreensiva, interrogativa ou educativa. Pode ser recebida de forma policialesca, repressiva ou chantagista; também pode ser recebida de forma carinhosa, reflexiva ou reformuladora. Todos esses elementos podem estar presentes na mensagem crítica e a amizade tem o papel de escolher os elementos mais positivos, tanto do lado emissor quanto do receptor, no momento apropriado, no local adequado. É uma arte conduzida essencialmente pelo coração e aproveitada totalmente pela razão.
Assim, o encontro com meu amigo trouxe a oportunidade de ouro de ouvir suas críticas as quais procurarei colocar aqui aquelas mais importantes e que calaram mais fundo na minha compreensão de vida e do meu agir cotidiano.
Primeiro, foi com o meu toque espiritual nas coisas da vida. Ele ficou surpreendido com minha forte espiritualidade, já que nós nunca tínhamos desenvolvido tanto interesse assim no passado. Ele via um conteúdo tão forte que até justificava a formação de uma igreja, de uma nova religião, mesmo porque esse conteúdo espiritual ele não via aplicação dentro de nenhuma das igrejas conhecidas. Ressaltou o quanto esse pensamento espiritual associado a uma divindade, Deus, se afastava do pensamento dele, pois como eu ele procurou esse Deus em vários templos, seitas e religiões e nunca encontrou. Hoje está situado de forma mais confortável na posição de ateu. Eu, de completo servo de Deus. Seus argumentos impactaram com os meus, seus paradigmas mostraram a divergência dos meus. A amizade no centro era a mediadora. Eu procurava compreender o pensamento dele, porque nós, usando a mesma razão, terminamos em caminhos tão díspares. Ele dizia que tinha a impressão que um ET tinha chegado perto de mim e com um raio fez mudanças tão fortes na minha cabeça que justificariam um comportamento tão diferente do dele e da comunidade, da cultura em geral.
Bem que no aspecto de crer em Deus, eu estou ao lado da maioria. Ele é quem está ao lado da minoria que não acredita em Deus. Mas descobri com isso algo importante, até mesmo com relação a missão que Deus me deu de divulgar e exemplificar o Seu Reino. O poder de argumentação. Procurei na minha mente um argumento poderoso, racional e definitivo que mostrasse ao meu amigo da existência de Deus e não encontrei nada com essas características. Eu não iria discutir com ele colocando chavões da presença de Deus em nossas vidas sem uma base racional em que me apoiar, para não parecer que o meu único recurso era a fé. Isso não iria fazer nenhum efeito, pois a fé que ele tem é outra, a de que Deus não existe. Os argumentos racionais que a minha consciência aceita, a consciência dele rejeita. Procurei ainda ir um pouco nessa direção, procurei saber se ele entendia alguma coisa sendo criada sem uma causa. Ele percebeu logo que eu me referia ao universo, a tudo, a nós inclusive e trouxe à tona a raiz dos seus pensamentos: o caos. Tudo se formou a partir do caos que o tempo trouxe à organização que vemos hoje e que ainda pode ainda evoluir, mas que um dia tudo se deteriora e regride novamente ao caos, para dai tudo começar outra vez numa eterna ida e vinda de caos e organização. A inteligência superior que eu aceito como organizadora da existência, ele coloca como advinda do vazio do nada, da desorganização do caos. Eu posso provar que ele está errado e eu certo? Não tenho recursos científicos para provar essa tese. O meu único recurso é o racional, pesar as duas hipóteses na balança da coerência e verificar com a consciência qual pode ser a mais inteligente. Mas isso leva tempo e também uma posição desarmada. Nós temos que sentar um ao lado do outro, descartar nossas certezas, e avaliar com a razão ponto por ponto cada argumento que sustenta nossa fé. Nesse trabalho nosso único compromisso é com a coerência dos fatos e argumentos. Felizmente ele pretende vir morar em Natal, talvez no mesmo condomínio que eu também venha a morar. Teremos o tempo para iniciar esse trabalho tão belo e profundo que a amizade nos proporciona.
O outro aspecto das críticas levantadas nessa visita me coloca agora no lado oposto da maioria. A questão de querer aplicar em todos os meus relacionamentos a lei do Amor Incondicional, principalmente com as mulheres. Trocar a exclusividade do amor romântico, que leva à família nuclear, base da sociedade atual, pela inclusividade do Amor Incondicional que leva a Família Universal, base do Reino de Deus. Parece até que eu me encontro isolado com esse pensamento e ações. Ele diz que eu nunca irei conseguir esse intento, e suas palavras fazem eco ao meu redor. Todos concordam com Ele. Acontece que o Deus que ele não acredita, e todos ao meu redor acredita, diz que eu posso ser o exemplo e portador dessa mensagem, uma espécie de continuador do Cristo, e que ninguém ao meu redor acredita. Então fico crucificado nesse paradoxo: o Deus que todos acreditam me dá uma missão baseada na Sua principal Lei do Amor, e que todos também aceitam o Amor como essência do Deus, mas ninguém aceita que possa ser aplicado nos relacionamentos e que ela consiga alterar nossa natureza animal que está sintonizada com o egoísmo. Essa é justamente a missão que o Deus que todos acreditam me dá: executar uma missão que ninguém acredita, mesmo que seja baseada em Sua Lei.
A outra crítica que ele levantou e que concordei de imediato foi com respeito a deixar estes textos que produzo neste espaço literário livres para a cópia dos interessados. A minha preocupação de reservar os direitos do que escrevo deveria ceder espaço para aqueles leitores como ele que tem interesse na leitura, mas que não tem o tempo necessário de ver tudo na tela como agora está colocado. Então, hoje mesmo, a partir deste texto, toda a minha produção no Recanto das Letras está livre para cópias. Espero que assim surja a maior oportunidade de críticas que contribuam para reorientar o meu pensamento e o tirar do erro ou da falsa interpretação de argumentos.