Este é o ponto central do dilema ético do relacionamento homem-mulher que se estende desde o início da cultura humana civilizada, e que a Bíblia deu uma grande contribuição formando essa alegoria que é cheia de sabedoria. Fazer a mulher carne da carne do homem, é transformar os seus desejos e aspirações os mesmos do homem. Essa é uma missão quase impossível, pois a mulher possui instintos e desejos próprios que visam a sua sobrevivência e que se chocam com os instintos e desejos do homem, que vai em outra direção. Existe apenas um pequeno momento onde os instintos e desejos de ambos coincidem, o momento do amor romântico, da paixão correspondida. Esse momento mágico é o que permite a racionalização da eternidade do sentimento e que justifica o compromisso e juramento de convivência harmoniosa até o fim da vida. Nesse momento o homem não tem no campo da consciência o interesse por outras pessoas, o amor romântico impede que se veja os defeitos um do outro.
É importante que saibamos toda essa dinâmica dos sentimentos que fluem em nossa consciência ao sabor dos hormônios que obedecem ao ritmo biológico impresso pelos genes e que busca o melhor sucesso reprodutivo: os homens procuram jogar os seus gametas (espermatozóides) ao redor, com a maior amplitude possível, quanto mais mulheres puder fertilizar, melhor, e ele lutará pela inclusividade dos relacionamentos que deseja múltiplos; as mulheres procuram escolher os gametas mais competentes, quanto maior influencia financeira, de poder e de coerência tiver o homem, seu possuidor, melhor, e ela lutará pela exclusividade desse relacionamento que deseja único. Esta é a Lei da Natureza, a Lei de Deus. Não podemos anulá-la, reformulá-la ou aboli-la. O máximo que podemos fazer é contê-la no limite das nossas forças, volitivas, legais e morais. Obedecê-la com coerência e ética é o que Deus espera de nós.
O casamento foi elaborado intuitivamente para conter a força desses instintos, principalmente o instinto masculino, pois nele se encontra o apelo pela inclusividade, pela fertilização do máximo de fêmeas possível e do uso da força. É daí que pode surgir o abuso da força, do desejo, da consumação dos atos nocivos contra outras pessoas, contra as mulheres e consequentemente com seus filhos.
Se não houver esse conhecimento da parte de ambos, homem e mulher, o processo de transmutação da carne da mulher para a carne do homem fica viciado, pois ela está entendo o processo apenas num determinado instante, o instante do amor romântico, da paixão. O instante em que ela percebe que todo o interesse do homem é apenas voltado para ela, que não existe outra mulher no seu raio de interesse. Então ela pode facilmente aderir a esse projeto, pois atende muito bem ao que ela também deseja, as exigências de sua programação existencial para a perpetuação da vida biológica.
Para que haja a transmutação da carne da mulher para a carne do homem de forma definitiva, é necessário que ela conheça esse projeto biológico do homem e esteja disposta a suportar as conseqüências de sua expressão comportamental. Nesse ponto devem ser considerados os limites éticos dos relacionados, principalmente aqueles ensinados pelo Cristo e que são encontrados nos Evangelhos. Se assim não for considerado então o relacionamento se torna bárbaro, hipócrita. Não há transmutação de uma carne para outra, e sim o abuso, a exploração de uma carne por outra. Geralmente a exploração e abuso da carne da mulher pela carne do homem.