Sióstio de Lapa
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Meu Diário
28/12/2013 01h01
FAMÍLIA E EVANGELIZAÇÃO

            Em questionário enviado às paróquias de todo o mundo, preparatório para a Assembléia de Bispos de 2014, o Papa Francisco aborda a questão da família e a evangelização. Tudo começou às 4 horas da tarde do dia 7 de outubro, quando o pontífice entrou em seu carro particular, um Ford Focus azul, e saiu do Vaticano, sem comitiva nem escoltas ostensivas. Em menos de 10 minutos chegou à Rua da Conciliação, nº 34, sede da Secretaria do Sínodo dos Bispos.

            Ali um pequeno grupo de prelados começava a elaborar as questões sobre os desafios pastorais da Igreja acerca da família católica. Era o documento preparatório da III Assembléia-Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, reunião marcada para outubro do próximo ano.

            O Papa, de forte inspiração franciscana, que considera os seres humanos como ovelhas do seu redil, independente da formação acadêmica, financeira, política ou religiosa que venha a ter, pretendia ouvir a todos, apesar da limitadora ação dirigida apenas à “família católica”. Ele queria reforçar um pedido sobre as perguntas que depois seriam encaminhadas para mais de 5.000 bispos no mundo inteiro, que consultarão os católicos como se aplicassem uma pesquisa de opinião pública. Teria que ser redigida de forma direta, sem gongorismo (estilo eivado de afetação, de ornamentos e preciosismos), de modo a evitar respostas esquivas.

            Cerca de duas semanas depois, o texto de dez páginas e 38 questões tinha sido concluído e distribuído. E a Santa Sé divulgou oficialmente a enquete na internet e que impressiona pela clareza e pela coragem histórica das indagações. Trata de casamento de pessoas do mesmo sexo, de adoção por casais homossexuais, de divórcio, de matrimônios reconstruídos e muito mais daquilo tudo que, na Igreja, sempre foi tabu.  

            Fico encantado com a coragem do novo Papa, em imprimir nas ações da Igreja um comportamento mais próximo do rebanho e que não sejam somente os católicos as ovelhas desse redil. Ele transmite sinceridade nas suas falas e ações e como um bom jesuíta sabe o que fazer para entender o que afasta e o que aproxima as famílias do Evangelho. Ele sabe que o diálogo nasce de uma atitude de respeito pela outra pessoa e é sempre bom lembrar a história para entender um momento que soa como renovador. É comum um sínodo ter um questionário preparatório, nenhum até hoje foi elaborado de forma tão eloqüente. Basta comparar com o texto do sínodo de 1980, de João Paulo II, cujo tema também foi a família.

            Os bispos receberam um calhamaço de 46páginas sobre o assunto. As perguntas eram pouco objetivas. Antes de cada questão, um texto introdutório discorria vagamente sobre o tema abordado. Dizia o capítulo sobre o divórcio: “Segundo estatísticas, em algumas regiões um terço dos matrimônios termina em divórcio. As causas desse fenômeno são muitas. Por exemplo, o aumento da longevidade humana. Por isso, é necessário uma educação dos cônjuges ainda  mais apurada para que a vida conjugal seja mais prolongada”. Só então era feita a pergunta: “O que dizer sobre a situação da família nos diversos países no ponto de vista pastoral?”. Francisco, ao contrário, é direto: “Os separados e divorciados recasados constituem uma realidade pastoral relevante na Igreja?”.   

            Mesmo com tanto espaço para divagação, o sínodo de João Paulo II teve um papel crucial para as famílias católicas, abrindo espaço na Igreja para os casais em segunda união. Do encontro nasceu a Pastoral Familiar, com um setor dedicado a recasados.

            Também com base no sínodo o Papa João Paulo II publicou em 1981, o documento “Familiaris consortio”, no qual pedia um “empenho pastoral ainda mais generoso e prudente às famílias em circunstâncias particulares”.

            Mas há limites para quem quer mudar algo na Igreja, até mesmo para o Papa Francisco. O sínodo não vai alterar a palavra de Deus, da qual a Igreja é fiel depositária, assim pensa a Igreja. Portanto, o casamento indissolúvel, formado da união entre um homem e uma mulher, como mandam as escrituras, permanecerá intocado. O Papa não vai poder mudar essa doutrina cristalizada da Igreja que interpreta com rigidez as escrituras no que diz respeito aos outros. O que ele pode mudar é o tom em toca essas questões, com suavidade, tolerância e compreensão.

            Eu o respeito, Papa Francisco, por causa disso. Mas a essência do dilema ético existente no seio da família não está ao menos sendo tocado. O egoísmo que está dentro do amor romântico e que forma uma família nuclear voltada exageradamente para beneficiar o sangue em detrimento da massa de pessoas que são formadas em função disso em condição de pobreza e miséria. Eu o respeito Papa Francisco, por ter mudado o tom e tratar com mais humanidade todos que estão em situação especial e que querem de alguma forma constituir uma família tradicional, mas é preciso que alguém diga que essa família tradicional traz em seu bojo o germe do egoísmo e da exclusão, mesmo que tinture sua aparência com ações de caridade. A pobreza e a miséria jamais serão extintas, o Reino de Deus jamais será formado, se não fizermos uma faxina em nossos corações, extirpar de dentro o egoísmo, construir uma família honesta e transparente, sem hipocrisia, que seja nuclear ou ampliada, mas que pratique o Amor Incondicional com justiça e fraternidade.

            Papa Francisco, eu o respeito por sua humildade, sua coragem... Sou sua ovelhinha desgarrada, que ouço o seu chamado ao aprisco da Igreja, mas ouço também o chamado de Deus para outro aprisco que não encontro no horizonte, mas que vejo os seus sinais nas páginas amareladas do Evangelho que foi inspirado pelo Pastor dos pastores: Jesus Cristo! 

Publicado por Sióstio de Lapa
em 28/12/2013 às 01h01