Francisco Daudt, psicanalista e médico, colunista da Folha de São Paulo, fez um artigo intitulado “Coitadismo” onde mostra o comportamento dos miseráveis que escancaram suas misérias para obter a caridade pública. Diz que assim o nosso sentimento de culpa assume a consciência e se alia aos objetivos dos miseráveis.
Não digo que o nobre colega esteja equivocado, pois acontece muito isso que ele aponta, entre os miseráveis e entre nós que alimentamos essa gangorra da miséria. Porém eu posso lançar um olhar que ultrapassa o simples fato e se dirige a origem. O que causa essa população de miseráveis que a cada dia parece que aumenta mais? Afinal, se eu ou qualquer pessoa tivesse nascido nas condições daquele miserável, será que teríamos um destino diferente do deles?
Prefiro olhar pelas lentes do Evangelho e procurar ajudá-los, mesmo sabendo que de lá é que surgem os criminosos que realizam tanta violência na comunidade. A melhoria do aparato policial, o aumento do número de cadeias, não está resolvendo a situação. Procurar entrar no foco da miséria e dentro dela ver o que é possível fazer para corrigir um pouco do mal engendrado.
Os dois projetos que estão sendo desenvolvidos dentro da comunidade tem esse objetivo. Sei que eles vão exigir doação da parte de quem se voluntarie e também uma grande dose de paciência. Paciência em todos os aspectos, entre nós que já estamos dentro do projeto, entre aqueles prováveis parceiros que tem o potencial de participar e entre os próprios beneficiados.
Muita gente que reclama e na hora de fazer alguma coisa não consegue estar junto; alguns esquecem, outros colocam diversas prioridades... e o trabalho termina morrendo por inanição.
Paciência comigo mesmo, pois eu vejo tantas falhas nas boas intenções que não se realizam, mas que existem também falhas comigo mesmo. O nível de doação que eu deveria ter é muito pequeno, tendo em vista o meu potencial. O trabalho que eu poderia fazer é desperdiçado em outras atividades sem o mínimo valor dentro do projeto.
Tudo isso parece traças dentro do conjunto do trabalho que deveríamos realizar. O coitadísmo que Francisco Daudt identifica na sociedade com relação aos miseráveis que expõe as suas misérias em troca da caridade daqueles que se sentem culpados, tem um alcance muito maior... atinge também a nós, que com toda a inteligência e condições materiais, com boas intenções, e mesmo assim não conseguimos fazer a contento o trabalho que o Pai espera de nós.