Fico agora a refletir naquilo que sempre peço em minhas orações, que nem sempre realizo com regularidade: o que quero dizer quando peço para ser instrumento da vontade de Deus? É uma palavra que sai da boca para fora, sem implicar numa aceitação naquilo que estou pedindo? Se isso é um aspecto central da minha conversa com Deus, e se isso não é considerado na minha vida prática, logo que eu deixo de conversar com Ele, então se transforma numa grande insensatez. Por mais nobres que sejam meus pedidos na oração, eles têm que ser praticados na minha vida cotidiana sob pena de terminar cometendo hipocrisia. Logo com Deus e no silêncio do meu coração! É como se estivesse cometendo um crime grave na presença do juiz.
Devo fazer um esforço intelectual para procurar entender esse paradoxo. Quando estou na frente de Deus eu sou uma pessoa diferente do momento que termina a oração? Pois quando termina a oração eu entro no mundo material e muitas vezes nem me lembro da existência de Deus, quanto mais de ser o Seu instrumento. Daí vem a explicação da minha dificuldade de orar de forma habitual.
Por outro lado eu sei que esta é uma crítica muito dura que estou fazendo a mim mesmo, pois sei que eu programo meu comportamento para atuar como se fosse o “instrumento de Deus”, mesmo que eu não tenha consciência disso em vários momentos. É como quando estou dirigindo meu carro para algum lugar. Eu coloco ele naquela direção desejada e no percurso fico a pensar em diversos outros assuntos sem está o tempo todo focado naquela meta. Devo fazer a mesma comparação com o meu comportamento, coloco meu corpo para ser o instrumento de Deus e enquanto realizo minhas ações fico a pensar em diversos assuntos diferentes. Mas caso meu comportamento saia desse trilho, logo surge na consciência a advertência para eu corrigir a rota.
Esta reflexão serve para tirar da minha consciência a idéia de estar sendo insensato quanto as minhas orações e a aplicação do meu comportamento. Sei que tenho dificuldades inerentes à minha própria constituição psicológica que herdei da fragilidade espiritual que ainda tenho. Por exemplo, a atenção exagerada com relação aos desejos do corpo, que me deixa fragilizado frente a gula e a preguiça. Nem chego perto de São Francisco que sabia dominar perfeitamente as exigências do corpo, ao ponto radical de nem aceitar medicação, pois ela iria fazer bem só ao corpo e seu ideal era ser a imagem de Cristo na Terra.
Eu já tenho uma compreensão diferente do meu xará de Assis. Mesmo sabendo das imperfeições egoístas do meu corpo e das quais ainda sou refém de algumas, considero que ele é o meu grande companheiro e que é através dele que consigo desempenhar o papel de instrumento de Deus aqui na Terra. Tenho que ser apenas sensato, saber que o corpo é um ser, uma estrutura biológica do mundo material e que com ele procura se relacionar para garantir sua sobrevivência. Meu espírito é o ser portador da inteligência e que tem a missão de administrar o corpo, para que consiga a melhor forma de evolução, tanto a biológica para o corpo quanto a moral para o espírito. A minha inteligência concorda que nesse mundo das formas, nesse mundo material, nada é definitivo, tudo é passageiro. Então os bens que estão dispostos dentro deste mundo material e que tanto desejo pode causar ao meu corpo, nenhum valor tem para o meu espírito, a não ser quanto ao processo de relacionamento com outros seres humanos ou com a própria Terra. Se dentro desse relacionamento eu mostro um comportamento ético e fraterno, seguindo as duas principais leis que Jesus nos ensinou, de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, eu estou seguindo a evolução espiritual também.
Portanto, fica bem claro nessa programação de ser o “instrumento de Deus” que o meu comportamento está sintonizado com os valores espirituais, como se existisse um GPS espiritual dentro da minha consciência apontando para corrigir qualquer desvio de rota que possa acontecer no percurso do meu caminho.
Nesse contexto a lógica fica bem atenta para um aspecto: devo abrir mão daquilo que não posso reter (os bens materiais de qualquer natureza, pois todos são passageiros) para ganhar o que não posso perder (a chance de aperfeiçoar os meus valores morais, ser caridoso, fraterno, justo, enfim, praticar o Amor Incondicional).