Sempre tem havido místicos desertores do mundo que encontraram sua perfeição e felicidade na silenciosa solidão com Deus, em alguma caverna lúgubre, na vastidão de uma floresta, no cume de uma montanha, no silêncio do deserto, nos muros de um convento ou mosteiro.
Por outro lado, existem pessoas dinâmicas, peritos em lidar com dinheiro, mestres em política e diplomacia, relações nacionais e internacionais; são pessoas que depois de mortas costumam ter estátuas de bronze ou de mármores em praça pública e cujas biografias enchem as prateleiras das bibliotecas. A política para essas pessoas parece ser um tipo de caridade com usura, com interesse muito acima daquilo que é prometido ou obtido das massas.
Nasci ignorante, dentro da mediocridade. Aprendi desde cedo a desenvolver uma postura egoísta de que poderia realizar grandes coisas no mundo. Aprendi que seria a inteligência e astúcia, o dinheiro, o jeito, a erudição, a incessante luta social, comercial, industrial, política, diplomática, que todos esses seriam a causa real do que eu poderia realizar na face da Terra. Mas sempre existia por trás de todos esses fatores ponderáveis e palpáveis da minha intensa atividade, um elemento imponderável e intangível que eu não podia explicar de forma concreta e que eu identificava como valores espirituais. Era uma energia que superava os valores materiais e influenciava a minha mente como uma voz silenciosa, uma intuição. Fazia-me entrar no campo da filosofia, da poesia, da mística. Passei lentamente a dar mais valor a essa voz silenciosa e pensar e agir de acordo com ela. Perdi o pragmatismo materialista e passei a falar da construção de uma utopia para muitos, a construção do Reino de Deus, com base na família universal. Ninguém que não esteja dentro desse processo consegue perceber o imenso reservatório de forças cósmicas que eu pressinto, um tipo de imenso oceano que se alarga, incomensurável, misterioso e infinito, para além de todos os horizontes da percepção físico-mental. Para o materialista só existem os pequeninos arroios e regatos que escorrem do seu conhecido ego, correndo não se sabe para onde, apesar de suas metas imediatistas.
Não quero dizer que estou pronto, que sou um cidadão espiritual vivendo uma experiência material, livre de todas as exigências que o mundo exerce sobre mim. Pelo contrário, tenho muita dificuldade de manter o direcionamento do meu comportamento dentro do plano previsto por Deus para mim. Sei que posso receber dEle toda a ajuda necessária, mas não consigo tornar um hábito o simples fato de falar com Ele, de orar e meditar no Seu regaço. Mesmo assim procuro cumprir a Sua vontade, porque sinto intuitivamente que, para além do cenário das minhas realizações humanas, há misteriosas regiões de invisíveis realidades divinas. Sinto que o meu trabalho fundamental, toda a grandeza do que eu posso fazer, está na constante ligação do mundo visível com o mundo invisível; fazer a política externa assentada nos alicerces da mística interna.
É fácil trabalhar no mundo visível, o grosso da humanidade profana vive unicamente nesse plano. Mais difícil é contemplar o mundo invisível, longe de todos os mundos visíveis, como faz um grupo de avançados ascetas místicos que vivem nesse mundo desconhecido. Mas acredito que mais difícil ainda é viver como decidi, dando prioridade ao meu mundo invisível e fazendo com que todos os meus mundos visíveis sejam permeados e vitalizados pela luz do universo espiritual; fazendo com que todos os relacionamentos do qual participo, seja na família, no trabalho, no lazer, etc., de toda a materialidade da minha existência terrestre seja aureolada pela poesia e beleza do Amor construindo a pureza do Reino de Deus dentro do meu coração e dos meus relacionamentos.
Assim, posso chegar à compreensão que muitos são impuros no meio dos impuros, considerando como “puro” aquele com a intenção que se propõe a construir o Reino de Deus. Poucos vivem puros no meio dos puros, são os místicos que vivem isolados. E eu pretendo viver puro no meio dos impuros. Quero aplicar toda minha habilidade acadêmica, profissional, familiar a serviço dessa mística de uma sociedade fraterna, solidária, ensinando e praticando o Amor para quem vive nas trevas da ignorância, construindo o Reino de Deus. Quero ser um homem cósmico plenamente realizado com a energia de Deus, tendo como base o Evangelho aplicado na prática de um comunitarismo e universalismo cristão.