Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
19/09/2014 06h04
LIGAÇÃO ERRADA

            Era plena madrugada. O celular toca. Três horas e 15 minutos. Reconheço o número que chama. SL, minha ex-companheira. Tocou apenas uma vez. Fico na expectativa de uma segunda chamada. Nada acontece. Fico a pensar... O que será que ela quer comigo neste horário? Ela que evita falar comigo em qualquer hora mais conveniente do dia? Ela que mesmo quando eu vou à sua casa para falar com nosso filho, evita me encontrar? Ela que pede para seus amigos e parentes não terem contato comigo? Ela que esqueceu a paixão que um dia nos incendiou? Ela que esqueceu que um dia fomos carne da mesma carne? Ela que não soube cultivar o amor que em mim se desenvolveu? Ela que talvez precisasse ouvir do Padre que devíamos viver juntos tanto na alegria quanto na tristeza? Ela que ainda não merece orar ao Pai como Jesus ensinou, pedir para perdoar suas ofensas, pois ainda não sabe perdoar as ofensas reais ou imaginárias de quem a tem ofendido?

            Então, por que será que ela fez agora essa ligação? Será para me agredir com palavras referentes ao mal que se diz ter sido vítima por minha causa? Será que é para me testar, para saber se eu ligo de volta para saber se está existindo algum problema na vida dela ou de nosso filho? Da mesma forma que eu fiz quando a chuva castigou nossa cidade e fui até a sua casa para ajudar na remoção dos objetos e livros que precisavam ficar longe das goteiras? Ou será que ela está passando mal e não pode dar o segundo toque no celular, nem chamar o nosso filho que dorme na mesma casa que ela? Será que no fundo da sua alma ela percebeu num momento crítico que eu era a única pessoa nesse mundo, mais confiável, para lhe prestar uma ajuda numa situação de perigo?

            No intervalo de cinco minutos que eu esperava pelo segundo toque, passaram na minha cabeça todas essas indagações. Agora surgiam outras questões... Devo ligar de volta para saber o que ela quer, o que está precisando? Mas por que me preocupar com ela, se ela não se preocupa comigo? Por que continuar amando-a se ela já não me ama, e talvez nunca tenha amado, já que o amor jamais esquece?

            Mas logo o meu coração responde de imediato a essa interrogação: “É verdade, o Amor jamais esquece, jamais desaparece, jamais fenece. Todo o Amor que um dia foi criado aqui dentro de mim, nada se perdeu. Mesmo que eu tenha sofrido a dor da intolerância, da incompreensão, da agressão... Mesmo que eu sofra a dor da solidão, da injustiça, eu jamais deixarei de amar! Mesmo que o horizonte escureça, que a terra estremeça; mesmo que a lua não reflita o sol que me aquece, nem as estrelas sejam vistas no céu que me protege, eu deixarei de amar!”

            Voltei à razão e verifiquei que o meu coração está certo. Jamais eu deixarei de amar! Todas a quem meu Pai me mandou, no passado, hoje e sempre... Jamais deixarei de amar! Mesmo que eu tenha cicatrizes que tantos amores me deixam e cada relacionamento que eu tenha mais uma chicotada na alma eu receba... Mas, jamais deixarei de amar!

            Então peguei o meu celular e liguei de volta. Estava pronto a lhe acudir em tudo que fosse necessário, se assim fosse preciso. Sem nenhuma palavra de contestação, de condenação; sem nenhuma murmuração.

            Meu celular chama na outra conexão, mas logo fica mudo. Não demora muito a chamar. Ninguém responde. Espero um pouco. É como se pessoa tenha ouvido o toque e tenha desligado de imediato.

            Surge em seguida uma mensagem no meu celular, de forma árida, objetiva, explicativa: “Não é nada. Ligação errada.”

            Respondo com o maior cuidado para não mexer em feridas que eu não posso curar: “Ok. Fiquem na paz.”

            Agora ao digitar esse texto logo após o ocorrido, faço outras reflexões. Tudo isso aconteceu na madrugada, justamente no período dos dois sonhos anteriores e que também digitei e coloquei neste diário de imediato para não esquecer. Naqueles dois sonhos eu intui que havia sido testado pelo Pai quanto as minhas intenções, se eu estava pronto para ser considerado um cidadão do Reino de Deus. Essa “ligação errada” que recebi pode ter sido mais um teste do Pai, desta vez um teste dentro da realidade. Será que eu estaria pronto a devolver com amor todo o mal, toda a injúria que recebi de forma perversa e injusta? Com certeza o Pai percebeu que quando eu liguei de volta, o meu coração não tinha um pingo de ressentimento, mas sim, cheio do imenso amor que Ele deixou que ficasse armazenado dentro do meu coração e que eu não desperdicei nenhum pingo. O Pai ficou satisfeito e eu também. Acho, sem falsa modéstia, que mereço um dez nessa prova.

 

Publicado por Sióstio de Lapa
em 19/09/2014 às 06h04