Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
21/09/2014 10h23
ÓDIO CONTIDO

            Ao ler um trecho do livro de J.J.Benítez, “Operação Cavalo de Tróia”, logo eu me lembrei do início de uma rusga que observei entre minhas companheiras, e que relatei ontem.

            O trecho que li era referente a ceia que acontecia na casa de Simão, onde Maria, irmã mais jovem de Lázaro, fez a unção de Jesus com um óleo caríssimo. Como esse trecho eu considero de grande importância para a minha melhor compreensão de como se forma o ódio no coração, da personalidade de Jesus ao enfrentar os problemas, e de suas lições aonde se encontrava, irei reproduzi-lo aqui na íntegra. O relato é do Major Jasão, codinome do oficial da Força Aérea Americana que viajou no tempo, de nossa época para a época de Jesus, para ser testemunha dos fatos citados nos Evangelhos e comprovar a sua veracidade. O trecho é o seguinte:

            “Creio que todos, ou quase todos os presentes, distraídos com a música e a agradável tertúlia, tardamos alguns minutos a reparar naquela donzela que, deixando o grupo das mulheres, havia-se ajoelhado às costas de Jesus. Era Maria...

            Uma como que lategada dentro de mim pôs-me de sobreaviso. Estava a ponto de assistir à cena da unção. Sem poder evitá-lo, levantei-me e, ante a estranheza de Lázaro, esgueirei-me detrás da mesa e coloquei-me em um dos cantos do U, a poucos metros dos convidados de honra.

            Gradualmente, os comensais foram fazendo silêncio, atônitos diante do que estava sucedendo. A irmã mais nova, no seu habitual mutismo, havia aberto uma botelha de uns trinta centímetros de altura, de forma afuselada. Era feita de um material muito translúcido (depois soube que se tratava de alabastro oriental).

            Ante o olhar complacente de Jesus, a adolescente verteu boa parte do conteúdo sobre os cabelos do Mestre. Um líquido de cor conhaque foi impregnando, lenta e docemente, a cabeleira acastanhada do rabi, enquanto um aroma penetrante foi inundando o recinto. Maria cerrou o frasco e, após depositá-lo entre as pernas, começou a espalhar o perfume entre os sedosos cabelos do Galileu. Aquela unção foi feita com tanta simplicidade e amor, que os olhos do gigante (falava assim, pois Jesus era muito alto comparado aos outros) ficaram úmidos.

            Concluída a operação, Maria voltou a abrir a jarra e esvaziou a essência de nardo sobre os pés desnudos do Mestre. Ungiu-lhe os tornozelos, calcanhares e dedos e, em seguida, proporcionou a Jesus suaves e prolongadas massagens, até que o líquido ficasse perfeitamente espalhado.

            A essa altura da unção, alguns dos comensais haviam começado a murmurar entre si, lamentando aquele desperdício. Num dos extremos da mesa, vários discípulos, entre os quais se destacava Judas Iscariotes, por seus exagerados ademanes e exclamações em alto tom, apoiavam com seus mexericos os convidados que se mostravam abertamente desgostosos com o gesto da jovem.

            Nem a jovem nem Jesus se deixaram afetar pelos cochichos. Ao contrário, a belíssima irmã de Lázaro, que havia adornado as unhas com um pó vermelho-amarelado, deitou a cabeça para trás e, passando as mãos pela nuca, inclinou-se sobre os pés do Mestre, até deixá-los secos e brilhantes.

            Os comentários, desgraçadamente, foram-se azedando. Mesmo Judas, com manifesta indignação, acercou-se de André, o irmão de Pedro, e perguntou-lhe de forma que todos pudessem ouvi-lo:

            - Por que não se vendeu esse perfume e doou-se o dinheiro para alimentar os pobres? Deves dizer ao Mestre que a repreenda por esta perda...

            Maria, assustada pelo rumo que o acontecimento havia tomado, tentou levantar-se, mas Jesus deteve-a. E, colocando a mão esquerda sobre a cabeça da jovem, dirigiu-se aos presentes com voz pausada e firme:

            - Deixai-a em paz todos vós!... Por que a molestais por isto, se ela fez o que lhe saía do coração? A vós que murmurais e dizeis que este unguento deveria ter sido vendido em benefício dos pobres, deixar-me dizer-vos que sempre tereis os pobres convosco para que possais atendê-los em qualquer momento que vos pareça bem... Mas eu nem sempre estarei convosco. Cedo estarei com meu Pai!

            A seguir, fixando a sua vista – a que não parecia escapar nem o voluteio das chamas das candeias – nos olhos de Judas Iscariotes, retomou a palavra com tom ainda mais enérgico:

            - Esta mulher guardou por muito tempo esse unguento para meu corpo, no seu sepultamento. E agora que lhe pareceu bem fazer a unção, como antecipação à minha morte, não se lhe deve negar tal satisfação. Ao fazer isto, Maria vos reprovou a todos, enquanto com este feito evidencia fé no que eu disse sobre minha morte e ascensão ao meu Pai do céu. Esta mulher não deve ser condenada pelo que fez esta noite. Mas a vós todos digo que nos tempos vindouros, onde quer que se pregue este Evangelho, por todo o mundo, o que ela fez será referido em sua memória.

            Maria desapareceu do pátio e eu voltei para o meu lugar. Lázaro parecia entristecido. Tanto ele como Marta sabiam que Maria havia poupado durante muito tempo para comprar o custoso perfume. Aquela família, ao contrário do que se vinha observando entre os próprios discípulos, havia penetrado a fundo o problema, e intuído que esta podia ser a última Páscoa de Jesus.

            Os murmúrios decresceram, se bem que alguns dos discípulos continuassem a comentar o sucedido com movimentos negativos de cabeça, em sinal de desacordo. Judas Iscariotes havia caído em um impenetrável silêncio. Seus olhos assustavam-me. Destilavam um ódio surdo e contido. Era visível que havia tomado aquelas palavras de Jesus como reproche pessoal e, sem dúvida, havia-se sentido ridicularizado diante de toda aquela gente. Em minha opinião, foi a partir desse incidente que o traidor começou a tramar sua vingança contra o Mestre. Duvido muito que Judas já tivesse pensado até aquele momento, na entrega do Mestre aos membros do Sinédrio. Isso nem teria sentido, já que a própria polícia do templo havia recebido ordens concretas de prendê-lo. Não obstante, seu espírito vingativo viu aberto o caminho para humilhar Cristo e obter uma reparação.”

            Aí está um momento importante da vida do Cristo. Ele enfrentou com firmeza os murmúrios de todos, inclusive dos seus companheiros, os próprios discípulos. Defendeu uma ação feita com Amor frente aos preconceitos de caridade, defendeu que se pode sim, gastar dinheiro com a expressão do amor, mesmo que pareça um desperdício frente à miséria do mundo. Intui nessa lição de Jesus, que todos aqueles que expressam o Amor nas suas diversas formas, quer gastando o dinheiro que economizou ou fazendo um trabalho que sabe realizar, estão cumprindo a vontade do Pai e pertencem automaticamente à família universal. Enquanto isso todos aqueles que se colocam em posição contrária, com todos os tipos de argumentos preconceituosos ou legais, se afastam dessa família universal, espiritual, mesmo que sejam companheiros, mesmo que sejam parentes, que tenham o mesmo sangue. Maria naquele momento ficou bem perto do coração do Pai e automaticamente do coração de Jesus, ao passo que todos os outros, inclusive seus discípulos, ficaram distantes. Tem também o caso de crítico de Judas. Não reconhece a verdade que o Mestre ensina e se acabrunha com a repreensão. Não tem a humildade de reconhecer o seu erro e quer ir à revanche com o seu Mestre. Como bem interpretou o Major Jasão, deve ter sido aí que ele acumulou tamanho ódio que planejou aproveitar a primeira oportunidade para ir à desforra. Eu sei que Jesus também percebeu aquele olhar de ódio contido que o Major identificou, mas Ele não fez nada quanto a isso. Não chegou perto de Judas e tentou lhe explica com detalhes qual era o objetivo de sua missão, porque Ele fazia tudo para ensinar o Amor, e o que era esse Amor. Por que será que Ele não fez isso? Será que sabia que não iria adiantar de nada? Que esse tipo de ódio só se conserta com o sacrifício da própria vítima? Que Judas só iria ser atingido no coração ao ver o Mestre ferido por suas ações, e se arrepender do que fez, como aconteceu?

            Meu Deus! Será que acontecerá o mesmo comigo? Só alcançarei o coração das mulheres que se sentem feridas pelo meu modo de agir, que acumulam ódio contido em seus corações, quando eu for alcançado pela dor e vergonha promovido por elas? Quando elas sentirem o arrependimento pelo mal que possam ter me causado?

            Meu Deus! Parece que assim será, pois não canso de explicar de todas as formas, de dar exemplos práticos e teóricos do Amor que preenche o meu coração e não tem nenhum resultado. Algumas não querem nem ouvir, e quem ouve não consegue fazer a sintonia com o seu coração, não mudam os sentimentos rancorosos e vingativos.

            Mas farei como Jesus fez, não cansarei de Amar da forma que Ele ensinou, mesmo sofrendo as consequências do mal que viceja ao meu lado, mesmo sabendo que o meu sangue e as minhas lágrimas serão as únicas formas de lavar tanta sujeira na alma de tantas quantas se sintam, como Judas, injustiçadas e ridicularizadas. Se o arrependimento do mal que elas tenham que me causar é o preço que tenho que pagar, que assim seja. Afinal de contas, esses são os passos de Jesus.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 21/09/2014 às 10h23