O capitalismo se tornou vítima de um preconceito que identifica o capitalista moderno com o usurário medieval que enriquecia com o empobrecimento alheio.
Desde o século XVIII e XIX, em plena Revolução Industrial, os papas sempre associaram o liberalismo econômico como um regime fundado no egoísmo de poucos que ganham com a miséria de muitos.
Isso é possível numa economia estática onde os ricos se tornam mais ricos à custa de empobrecer os pobres, pois uma quantidade mais ou menos fixa de bens e serviços tem de ser dividida como um bolo de aniversário que, uma vez saído do forno, não cresce mais. Tem um exemplo assim: numa tribo de índios pescadores a “concentração do capital” equivaleria a um índio pescar para si a maior parte dos peixes, seja na intenção de consumi-los, seja na de emprestá-los a juros, um peixe na troca de dois ou três. Nessas condições, quanto menos peixes fossem pescados pelos outros cidadãos da taba, mais estes pobres infelizes ficariam devendo ao maldito capitalista índio – o homem de tanga que deixa os outros na tanga.
Foi com base numa analogia desse tipo que no século XIII Santo Tomás condenou os juros como uma tentativa de ganhar algo em troca de coisa nenhuma. Numa economia estática como no feudalismo ou na sociedade escravista do tempo de Aristóteles, o dinheiro, de fato, não funciona como força produtiva, mas apenas como um atestado de direito a uma certa quantidade genérica de bens que, se vão para o bolso de um, saem do bolso do outro. Aí a concentração do dinheiro nas mãos do usurário só serve mesmo para lhe dar meios cada vez mais eficazes de explorar o próximo.
Mas no século XVIII e XIX o mundo europeu já vivia numa economia em desenvolvimento acelerado, onde a função do dinheiro tinha mudado radicalmente sem que algum papa desse o menor sinal de percebê-la. No novo quadro ninguém podia acumular dinheiro debaixo da cama, mas tinha de apostá-lo rapidamente no crescimento geral da economia antes que a inflação o transformasse em pó.
Santo Tomaz havia distinguido entre o investimento e o empréstimo, dizendo que o lucro só era lícito no primeiro caso, porque implicava participação no negócio, com o risco de perda, enquanto o emprestador, que se limitava sentar-se e esperar com segurança, só deveria ter direito à restituição da quantia esperada, nem um tostão a mais. Na economia do século XIII, isso era o óbvio, mas no quadro da economia capitalista, mesmo o puro empréstimo sem risco aparente já não funcionava como antes. Na prática os empréstimos a juros eram úteis e imprescindíveis ao desenvolvimento da economia, e, portanto, deviam ser alguma coisa de bom. Talvez a não explicação da diferença teórica entre essa prática e a do usurário medieval, terminou por identificar o capitalista com esse tipo de usurário, condenado, portanto, pela moral católica.
A incapacidade de conciliar o bem moral e a utilidade prática do capital terminou incriminando o capitalista e toda a ideologia liberal. Parece que ninguém nota que no quadro do capitalismo em crescimento a remuneração dos empréstimos não significa uma conveniência prática amoral, mas sim uma exigência moral legítima. Ao emprestar, a pessoa troca seu dinheiro efetivo, equivalente a uma quota calculável de bens na data do empréstimo, por um dinheiro futuro que, numa economia em mudança, podia valer mais ou menos na data da restituição. Do ponto de vista funcional a diferença colocada por Santo Tomaz entre investimento de risco e empréstimo deixa de existir e daí que a remuneração fosse tão justa no primeiro caso como no segundo.
Se Santo Tomaz tivesse consciência desses argumentos, certamente não teria o que objetar e veria neles um bom motivo para a integração plena e sem reservas do capitalismo moderno na moral católica. Mesmo porque na própria Bíblia Sagrada existe a defesa da cobrança dos juros sobre o capital, como se observa em levítico (27:31): Se um homem desejar resgatar parte do seu dízimo, terá que acrescentar um quinto do seu valor. Observamos o mesmo comportamento capitalista no Novo Testamento, com a parábola dos talentos ensinada por Jesus escrito por Mateus 25:27 – “Cumpria, portanto, que entregasses o meu dinheiro aos banqueiros; e eu, ao voltar, receberia com juros o que é meu.
Portanto, o cristianismo tem mais afinidade com o capitalismo e certamente o Reino de Deus, deverá ser instalado na base do liberalismo econômico domesticado da selvageria do egoísmo pelo Amor Incondicional. Teremos assim um verdadeiro Capitalismo Cristão.