Está escrito no Antigo Testamento que Deus ordenou que todo o primogênito fosse consagrado a Ele, tanto homens como animais (Êxodo 13:1-16). Assim, o primogênito tinha o direito por nascença, de um privilégio dado pelo Senhor. Era uma grande honra ser o primogênito, pois teria a herança do pai e o beneplácito de Deus. Foi a partir do primogênito de Abraão que Deus planejou que os filhos de Israel se reproduzissem. Esse direito adquirido com o nascimento pode ser negociado, como fez Esaú trocando a primogenitura com seu irmão Jacó por um prato de lentilhas. Parece contraditório que um direito dado por Deus a uma determinada pessoa possa ser negociada por ela. Então a escolha que Deus fez fica subordinada a uma escolha de Sua criatura? Incoerente! Parece que Deus não soube escolher a quem dedicar uma missão. Ou será que Ele não sabe se o Seu escolhido terá sucesso ou não no empreendimento da Sua vontade? Sei que Ele não pode interferir no livre arbítrio de Suas criaturas que adquiriram a consciência dos valores morais.
Também observo que a palavra que representa a vontade de Deus, segundo a opinião majoritária sobre a Bíblia, termina sofrendo os efeitos dos instintos egoístas que estão presentes na natureza animal de cada ser humano e termina sendo deturpada essa vontade. Volto ao caso de Abraão que teve o seu primeiro filho com a serva Agar, mas logo depois por intriga gerada entre ela e a sua esposa, terminou a serva sendo expulsa da tribo com o seu filho, primogênito, Ismael. A primogenitura ficou totalmente desconsiderada, frente aos interesses egoístas de Sara, a legítima esposa. E a vontade de Deus?
O privilégio de ser primogênito é abrir caminho para os que vêm depois. Abrir a mãe é ser o precursor de uma família biológica. Depois de mim vieram os meus irmãos, por parte de pai e mãe, e também aqueles por parte só de mãe. Da mesma forma que acontece na via biológica com o canal do parto sendo desbravado pelo primeiro que surge, assim na vida social o primogênito tem o privilégio (ou sacrifício?) de ser o precursor de uma grande família espiritual. A Bíblia também informa que quando um primogênito não considera seu papel e não reconhece a honra que está sobre ele, atrai a ira de Deus sobre si e sua descendência, como aconteceu com os primogênitos do Egito.
Sempre que leio algo a esse respeito vem logo à minha mente a condição de também ser primogênito, tanto de pai quanto de mãe. Sei que a cultura mudou muito o modo de ver os relacionamentos, desde a época do Êxodo até agora, cerca de 1900 aC que somados aos tempos de Cristo chegam perto dos 4000 anos. Aquela visão essencialmente mística do primogênito hoje não é considerada. Mas a Bíblia continua sendo considerada como a palavra de Deus e referência de fé para o mundo ocidental.
Sei que o Deus daquela época era visto como um guerreiro que protegia apenas um povo, o hebreu. Foi Jesus quem mostrou um perfil de Deus mais coerente com a Criação, com o Amor. Mesmo com todo esse conhecimento atualizado sobre a cultura e o real sentido da espiritualidade, a minha consciência sinaliza que eu devo ter mais atenção com respeito as condições do meu nascimento. Quanto mais eu adquiro conhecimento, mais fico comprometido com a verdade que advém dele. Os conhecimentos e cultura dos antigos deixaram marcas na nossa história que são indeléveis. É como a história dos nossos ancestrais que estão cobertas por milenares camadas de terra e que a antropologia os descobre pelos ossos e refaz a história que continua dentro de nós.
O conhecimento dessa história do primogênito serve para mim como uma consagração e que devo ser coerente com a vontade de Deus colocada por Ele em minha consciência. Se tenho a compreensão que devo aplicar o Amor Incondicional em todos os meus relacionamentos, sabendo que a quase totalidade das pessoas não conseguem fazer isso e as vezes nem tolerar. Vejo assim que estou colocado exatamente onde Deus queria, na posição de ser o precursor de uma nova atitude dentro dos relacionamentos humanos que levem a uma maior proximidade do Reino que Ele quer que nós construamos.
Cada vez que eu tenho acesso a esses conhecimentos fica mais forte o compromisso que adquiro com essa Verdade que se estrutura na minha consciência. Isso não quer dizer que eu tenha cumprido o que Deus espera de mim, pelo contrário. Depende de minha convicção e determinação em fazer esse trabalho que pode estar acima de minhas forças. Mas somente o fato de eu ter conhecimento da tarefa a ser realizada já é um grande e poderoso passo. Porém, o mais penoso e que ameaça o sucesso desse empreendimento é a construção dia a dia, passo a passo de tudo que é necessário fazer, sem se desviar por caminhos inconvenientes e que atendem mais aos desejos do corpo que a vontade do Pai. Este é o meu desafio.