Fim de mais um ano, 2014. Comprovo que os caminhos que sigo determinados pelo Senhor da vida e aceitos por meu livre arbítrio, não são de forma nenhuma previstos por mim. Jamais imaginei há 30 ou 20 anos que estaria hoje, sozinho, em um apartamento cheio de livros, CDs e DVDs, tão espiritualizado e na ânsia de me aproximar cada vez mais da perfeição, da divindade, que deixei de ter o meu medo horrível da solidão, da morte. Por estranho que pareça a quem observe de fora e sem sentir o que sinto, que eu me sinta tão feliz, incomodado apenas pelos meus defeitos internos, reconhecidos, mas ainda sem condições de os eliminar.
Coloquei minha fonte que representa um casal de namorados a derramar água de um jarro no banheiro onde sempre fico a produzir os meus textos, sentado no trono. Também comprei hoje um peixinho colorido, um Beta, peixinho agressivo que não consegue viver em paz com outro companheiro. Deixei-o dentro de um pequeno aquário redondo, ornamentado por plantas artificiais. Fiquei com o compromisso de alimentá-lo apenas com três bolotas de ração, duas vezes ao dia.
Agora estou digitando este texto exatamente nessa posição, ouvindo a água derramar do jarro da enamorada em cascatas contínuas do lado esquerdo, e do lado direito o peixinho que batizei de Chico Bento, a circular de um lado para o outro em seu minúsculo reino. Começo a fazer minhas conjecturas... será que ele consegue me ver? Consegue entender que sou eu que o alimento? Será que pensa alguma coisa? Será que se sente livre e feliz? Imagina que existam outros espaços onde ele possa viver, ou acredita que tudo que existe no mundo são essas paredes de vidro côncavas que limitam seus movimentos?
Tenho conhecimentos acadêmicos que dizem que ele tem, assim como eu, inteligência, mas menos elaborada. Porém o que eu quero saber está no campo existencial, onde a ciência não tem alcance. O que vai ao seu coração de peixe é o mesmo que vai ao meu coração de homem, guardadas as devidas proporções? Olho agora para ele e percebo que está bem calmo, quase parado, ao lado de sua planta artificial. Vejo somente as suas guelras baterem ao filtrar o ar da água, e sua cabeça que vez por outra dirige para cima... será a espera de algo que ele pediu? Estou pensando em comprar uma rede e vez por outra colocá-lo dentro da fonte com cascatas, para ele experimentar a água corrente, o barulho, o movimento...
Agora penso... será que estou numa situação parecida com a de Chico Bento? Será que Deus me pegou em algum lugar desse mercado da vida e me colocou dentro de um aquário com o formato de um apartamento onde eu imagino a minha liberdade? Será que Ele me alimenta sem eu vÊ-lo todos os dias? Será que Ele olha para mim com carinho como eu olho para o meu peixe?
Depois que vem essa enxurrada de perguntas à minha mente eu passo as reflexões... sim, eu não passo de um peixinho cuidado por Deus. A diferença é que eu tenho consciência da Sua existência e proteção, enquanto imagino que o meu peixe não pensa assim. Eu sei que estou neste aquário chamado de apartamento, assim como todos os meus semelhantes procuram ficar em seus devidos aquários. Agora eu sei que posso sair dele e interagir com meus semelhantes, posso ajudá-los nas suas necessidades assumindo o papel que Deus me reserva ao representá-Lo junto aos Seus mais diversos filhos. Sei que ao término dessa experiência de vida eu saio desse aquário material e mergulho no mar da existência espiritual onde me aproximo cada vez mais da luz divina através dos bons préstimos à Sua vontade.
Devo voltar em outra oportunidade para um novo aquário nessa vida espiritual, e espero adquirir essa compreensão que tenho hoje muito mais cedo, para não repetir tantos erros que cometi desta vez.
Sim, meu bom companheiro peixinho, somos muito parecidos em nossos aquários, eu cuido de tu e alguém cuida de mim, e afinal de tudo, todos somos a todo instante cuidados pelo Pai.