Li um texto de Tereza de Calcutá e concordei plenamente com ele, sem tirar ou por nenhuma vírgula. Vou então reproduzi-lo aqui neste espaço como se fosse eu o seu autor, com pequeníssimas alterações na forma, apenas para se adequar à minha realidade.
Na minha vida procuro ao máximo simplificar as coisas ao meu redor. É claro que isso não foi e nem é fácil principalmente para quem tem o compromisso com a verdade, com o bem e com o Cristo. Pois os homens ao longo dos séculos fizeram das questões espirituais algo cheio de complexidade.
Na atualidade encontramos um sistema religioso que faliu em muitos sentidos. Mesmo assim, considerando-se em sua grande penetração nas diversas camadas da sociedade e o poder que detém de influenciar multidões mundo afora, pode ser bastante útil à renovação do ser e à retomada de valores éticos e da fé do homem em si mesmo e em Deus.
Ocorre que, ao longo do tempo, esse sistema foi se complicando. Apareceram enxertos de doutrinas, formação de um sistema de poder religioso-temporal, supervalorização de ritos e práticas de caráter estritamente religioso, aspectos que podem contribuir para nublar a visão espiritual de muita gente. Isso se deu porque ao longo da história, a maior parte dos líderes e representantes da religião a recheou de inúmeras coisas consideradas boas para o momento em que viviam, mas que, com o passar dos anos, transformaram-se em peso morto, mostraram-se verdadeiras inutilidades frente a necessidade de abertura da visão espiritual e à humanização no meio religioso.
Lembro-me do compromisso dos escribas e fariseus da época de Cristo e me pergunto se, em nossa versão do cristianismo, não estamos copiando algo semelhante ao sistema farisaico. Será que muitos dos enxertos e da chamada modernização das práticas cristãs não se afiguram obstáculos para aqueles que buscam o caminho da espiritualidade ou que a ele deveriam ser conduzidos? Pergunto isso devido aos meus questionamentos íntimos em face dos ensinamentos de Cristo e da simplicidade da sua filosofia de vida, expressa nos santos Evangelhos.
Enquanto isso, nós, os cristãos da atualidade, fazemos, por exemplo, reuniões e mais reuniões, mas pecamos em lances elementares, tais como estabelecer quem executará o que e em que prazo, ou como se implementará o que foi decidido. Pois somos campeões em reuniões de planejamento e estratégia, algo que seria muito produtivo e bom, caso as decisões fossem postas em prática, em sintonia com a verdade cristã. À medida que reflito, tenho deparado com uma interrogação cuja resposta será importante para mim, para conseguir organizar meus próximos passos da vida espiritual. É que, ao passo que nos ocupamos de métodos, modelos e estratégias, corremos o risco de nos ver com muitas ideias e poucas realizações. Embora cheios de boa vontade, temo que possamos acabar impedindo os membros da comunidade onde atuamos, assim como aqueles que nos buscam à procura de respostas a seus questionamentos e necessidades, de encontrar ou palmilhar os caminhos de sua espiritualidade, da maneira que lhes pareça satisfatória.
Será que isso não equivale ao que escribas e fariseus faziam à sua época? Será que não corremos o risco de ressuscitar o farisaísmo na prática cristã, numa roupagem mais refinada e moderna? Esses são questionamentos que faço a mim mesmo ao entrar em contato com os ensinos dos Evangelhos e analisar os caminhos que temos tomado nos últimos dois mil anos. Sinceramente, ainda não tenho respostas para muitas das dúvidas que assomam à minha mente. Exatamente como você, também estou apenas procurando aprender e acredito que não posso aprender sem questionar, sem refletir, por mais que isso aflija qualquer um de nós.
Então me vejo pensando nas pessoas que encontro pelas ruas da Praia do Meio, de Ceará Mirim, de Caicó; em todos aqueles que posso encontrar pelos becos do mundo ou nos redutos de dor. Questiono se os modelos de planejamento, os templos suntuosos, os métodos mais requintados de educação têm cumprido sua função, desempenhando um dos papéis que julgo mais importantes para a vida cristã, que é amparar os convidados de Jesus ou fazê-los pessoas melhores. Não sei bem se tenho resposta para essas indagações, mas me atrevo a indagar. De que servem os movimentos de renovação, os decretos papais, o batismo do espírito ou as iniciações das religiões do mundo se não tornam melhores os envolvidos ou se não resgatam a dignidade do ser humano? Para que? Para que tudo isso?
Em minha pequenez, acho que precisamos resgatar a simplicidade com a máxima urgência. Não falo da simplicidade que beira a mediocridade, ou que é confundida facilmente com desleixo. Digo da simplicidade ao viver o cristianismo, na sua expressão mais pura ou genuína – pois entendo que a essência do cristianismo não são as doutrinas ou os ensinamentos, nem mesmo os dos apóstolos ou pais da igreja, tampouco dos pastores e dos intérpretes modernos. Vejo o cristianismo, em seu cerne, como a ação – o amor em ação -, exatamente como o fez Cristo, sem se ocupar em elaborar teologias ou erigir doutrinas. Ele apenas amou e serviu, nada mais. É assim que falo dessa maneira de simplificar a vida cristã, de deixar de lado as filosofias mirabolantes que intentam complicar a simplicidade do amor.
Quem sabe tenhamos a coragem de proclamar que cristianismo não é o show que chama atenção para o padre, a irmã de caridade ou o representante da música gospel? Isso tudo é muito bonito, mas fico a indagar quem, afinal, está sendo louvado e sobre que base e ensinamento esta nova mentalidade quase cristã tem-se erguido. Vejo tantos se movimentando, arregimentando seguidores, sendo aplaudidos como missionários e não vejo muita coisa sendo feita para melhorar o mundo. Muitas interpretações do Evangelho e pouco Evangelho.
Então, quando defendo simplificar as coisas, falo em voltar a Cristo, retomar o fazer, e não apenas conversar sobre o fazer. Falo em agir, e não apenas planejar. Quero me expor, em nome de Cristo, na Praia do Meio, em Ceará Mirim, em Caicó, nas cracolândias e favelas que eu tiver oportunidade de chegar perto, nos redutos pouco conhecidos da miséria humana. Em nome de Jesus, anseio por me expor pessoalmente ao próximo que precisa de mim ao lado de minha casa, na esquina das ruas, mesmo que para isso seja necessário eu mostrar uma coragem que ainda não tenho; pois não consigo parar nem mesmo ao lado de uma prostituta e procurar saber o seu nome e lhe apontar uma ajuda cristã, com medo disso manchar minha reputação, de alguém pensar que um médico, professor universitário, está negociando a compra de um corpo para o seu prazer lascivo. Ostentar batas brancas, ternos engomados, vestes sacerdotais de tecidos importados ou mesmo subir nos palcos para fazer sua apresentação de show man não é cristianismo.
Temos um compromisso com a verdade, com o bem e com o Cristo. Quem sabe possamos nos auxiliar a simplificar as coisas dentro de nós, em torno de nós e fazer um cristianismo com mais substância e menos pretensões?
Mas um cuidado é necessário, segundo tenho aprendido ao longo de minhas caminhadas. A pretexto de simplificar as coisas, tenhamos cuidado para não deformá-las, pois, embora nosso ponto de vista seja muito relativo e nossa verdade esteja longe de ser absoluta, nosso compromisso com Cristo é real, total e intransferível.
Compromisso é assumir seu lugar, seu papel e sua responsabilidade na vida. Não é nada religioso; é mais ético do que religioso ou moral. Dessa maneira, comprometer-se com Cristo é algo mais amplo e de alcance maior do que simplesmente abraçar uma tarefa num templo ou numa religião. Em minha pequenez, acredito mesmo que é fazer Cristo viver em nós. É tomar as rédeas da situação, sem ansiar por revelações, sem querer saber qual sua missão, nem mesmo esperar que venha algo de cima, do céu, para lhe dizer o que fazer.
Quem quer e quem tem de fazer, vai e faz – e basta. Ainda que na caminhada ocorram tropeços, como ocorre com todos, a pessoa continua, tropeçando, caindo, levantando-se e escorando-se. Porém, como se sente parte do grande plano de Cristo de auxiliar o mundo, e como sente Cristo viver dentro de si, vai fazendo, vai caminhando e vai construindo.
Como ninguém disse que era impossível – e mesmo se alguém o diz -, a pessoa comprometida com o Pai prossegue e faz. Constrói com simplicidade, realiza com sabor. Pois se o que se faz não produz sabor, de que adianta fazer? É preciso aliar à simplicidade o ato de saborear o fruto, degustar a realização e sentir o prazer de ver Cristo nascer em nós a cada dia, em cada mínima coisa que fizermos. E, se fizermos o mínimo, estaremos fazendo muito, desde que seja prazerosa a realização do trabalho.