Hoje foi um dia de lazer no flat da Redinha. Sentei numa roda que se encontra a minha primeira ex-esposa e o meu primogênito com sua namorada. O tema da conversa passou a ser relacionamentos, do meu primogênito com sua namorada até o meu relacionamento com a sua mãe quando ainda éramos casados.
Tive oportunidade de fazer uma retrospectiva sobre o que aconteceu entre nós e que mudou a minha forma de pensar, de uma família nuclear como hoje pensam meu primogênito e sua namorada, para uma família ampliada onde o amor deixa de ser exclusivo.
Falei que a mudança do meu pensamento não aconteceu de forma instantânea, de uma hora para outra, de um dia para outro, de um mês para outro... não, foi um processo que levou anos e consistiu de uma verdadeira batalha mental sobre o que eu poderia ou não fazer, sobre fidelidade, sobre traição. Reconheci que este poderia ter sido um erro que cometi, ter entrado nessas reflexões de forma solitária, sem dividir com minha esposa as críticas que começavam a surgir na minha cabeça em função dos desejos e das circunstâncias.
Nessa época eu era estudante de medicina e dava plantões em hospitais psiquiátricos. Em um desses hospitais havia uma auxiliar de enfermagem que simpatizava comigo e sempre que estávamos juntos no plantão ela chegava perto de mim com suas blusas generosas e fazia convites cada vez mais explícitos para sairmos qualquer dia ou noite para namorarmos. No primeiro momento eu respondia com convicção que era casado, que amava minha esposa e que não pretendia traí-la. Mas cada vez eu sentia que minhas defesas ficavam mais fracas. O desejo passou a surgir na minha mente frente à visão daqueles seios farto e prontos para escapulir do controle daquela blusa branca para minhas mãos ou meus lábios; fazia-me pensar cada vez mais nessa opção que minha amiga oferecia, e seus argumentos cada vez mais se fortaleciam. Ela sabia que eu era casado, que não queria deixar a minha esposa por ela nem por mulher nenhuma, pois a amava e vivia em harmonia com ela. No entanto, ela não tinha interesse em destruir esses pensamentos e sentimentos que existiam em minha mente com relação à convivência com minha esposa. Ela queria apenas um momento só para nós, que pudéssemos namorar nossos corpos, sem a possibilidade de gerar filhos ou qualquer outra forma de compromisso. Era um prazer que tanto ela como eu queríamos, que não iria interferir com a vida de ninguém, nem dos meus parentes nem dos dela. Eu poderia perder essa oportunidade em função apenas de compromissos psicológicos que a ninguém dizia respeito a não ser a mim e a minha fortuita companheira?
Foi com esse pensamento crítico que percebi que eu estava dentro de uma espécie de prisão psicológica devido a um compromisso assumido com a minha esposa. Passei a vê-la como uma espécie de carcereira, que impedia o prazer que eu também desejava obter nesse relacionamento fortuito com a minha amiga. Senti que o meu relacionamento antes tão harmônico e prazeroso começava a deteriorar-se. Eu conseguia manter a harmonia no relacionamento conjugal, mas agora não existia o prazer que eu tinha antes, com o sentido pleno de liberdade que eu vivia. Agora eu sentia que existia uma cadeia psicológica que me prendia e que os meus desejos e instintos se rebelavam cada vez mais com essa situação. Cheguei ao ponto de decidir quebrar essas cadeias, pois se isso não acontecesse a qualidade do meu relacionamento no casamento iria deteriorar até o ponto de ser insustentável, e eu teria que acabar no divórcio. Eu não queria que isso acontecesse, eu queria viver com minha esposa até o resto de nossas vidas, como tínhamos jurado um ao outro em tantos momentos, inclusive no altar. Portanto eu teria que atender a esses desejos da carne, já que eu não via neles nenhuma consequência negativa para meus diversos relacionamentos, inclusive o conjugal, pois dizia respeito apenas a mim e a minha amiga.
Quando decidi sair com ela para namorarmos em algum momento e lugar discretos, que ninguém percebesse nossas ações, senti que a pressão no casamento foi aliviada, que eu agora estava pronto para sair com alguém em função do prazer, e que não existiriam consequências negativas, pelo contrário, ajudou bastante a eu reencontrar a alegria na harmonia do relacionamento conjugal. Mas isso não foi suficiente para eu sair com a minha amiga, pois logo entrou em cena o meu senso de justiça que apontava que a minha esposa teria o mesmo direito que eu agora estava adquirindo, se em igual situação ela um dia se encontrasse. Surgiu de dentro dos meus instintos o preconceito machista que jamais eu deveria admitir a minha esposa com outro homem. Então eu não deveria jamais me admitir namorar com outra mulher. Foi outro freio no meu comportamento libertário, mas dessa vez os grilhões da cadeia estavam dentro de mim. Agora era uma luta interna de mim para comigo. Os meus desejos de saciar o prazer com o sexo com uma pessoa diferente versus o meu preconceito de não permitir o mesmo direito à minha esposa.
Entrei nessa nova batalha sem consequências na harmonia prazerosa do meu relacionamento conjugal, pois agora o meu carcereiro não era a minha esposa, e sim os meus preconceitos. Levei mais um tempo para vencer esses preconceitos, de seis meses a um ano de constantes embates mentais, mais uma vez de forma solitária. A perspectiva do prazer sexual era uma força impiedosa que massacrava os argumentos do meu preconceito a toda hora, a todo momento. Eu procurava argumentos nos livros acadêmicos, nos livros religiosos, na esperança que fortalecesse os meus preconceitos e que eu abandonasse a ideia de transformar o meu casamento de fechado, exclusivo, para um relacionamento aberto, inclusivo. Mas aconteceu o contrário. Os argumentos que encontrei nos livros, tanto acadêmicos quanto religiosos, fortaleciam a expressão do prazer consentido e esclarecido e massacravam os preconceitos machistas. Finalmente o preconceito foi nocauteado e fiquei livre para ter a experiência sexual tão desejada e permiti consciencialmente que a minha esposa tivesse o mesmo direito.
A partir desse momento passei a agir de forma diferente, pois já pensava de forma diferente. Mesmo assim a minha esposa não desconfiou um só momento dessa luta interna e dessa transformação que eu passei, mesmo porque ela não tinha motivos, pois eu atingi um nível de gratificação altíssimo na harmonia do nosso relacionamento. Ela se sentia tão segura comigo que um dia de forma inocente e pensando que a pergunta que iria fazer jamais teria uma resposta positiva, que ela a fez: “Você seria capaz de um dia me trair?”.
Pela minha forma de pensar eu não sentia que estava lhe traindo, pois ela tinha o mesmo direito de fazer o que eu estava fazendo. Mas eu sabia onde ela queria chegar, queria saber se eu tinha coragem de “sair” com outra pessoa. Então respondi afirmativamente, e logo em seguida à sua perplexidade, eu disse que ela tinha o mesmo direito de fazer mesmo se assim desejasse. Eu pensava que isso fosse atenuar a sua dor, mas ela se mostrou atingida duas vezes. Eu não imaginei que todo o esforço de transformação que eu passei foi de forma solitária, que ela não teve oportunidade de caminhar comigo pelos caminhos cognitivos e emocionais que me levaram à construção de novos paradigmas. A partir daí a nossa vida passou a ter um rumo completamente diferente, com muita dor e resignações, principalmente da parte dela. Foi o preço da minha liberdade, e peço desculpas por não ter tido a coragem naquela época de fazer essa conquista junto com ela, eu não tinha o amadurecimento que tenho hoje; esta é a minha defesa, meus atenuantes para os erros cometidos.