Existe uma forte desconfiança que o sexo não tem nada a ver com amor, que é um instinto puramente fisiológico criado para garantir a perpetuação da espécie, qualquer que seja o ser vivo, consciente ou inconsciente do que esteja fazendo. Devido a minha formação biológica, estudante do comportamento, sei que o sexo realmente tem fortes raízes biológicas, instintivas.
Estou abordando este assunto nesta ocasião, como reflexo da mesa redonda do domingo passado, quando meu primogênito afirmou com muita segurança, do alto de sua formação em biologia, que o amor não tinha nada a ver com sexo. Fiquei incomodado com tamanha segurança nessa separação tão radical entre o amor e o sexo. Lembrei a ele que não era bem assim. Contei um episódio que aconteceu comigo no Rio de Janeiro, quando estive com meus irmãos. A minha avó que me criou desde os cinco anos de idade, sempre comentava que eu era o santinho da família e que todos os meus irmãos eram perdidos, verdadeiros capetas. Eu ficava muito incomodado com essa situação, pois percebia que ela agredia meus irmãos com essas palavras, principalmente a minha mãe, responsável pela educação dos que ficaram com ela. Então aproveitei que estava no Rio com eles passando férias e fui voluntário para irmos à noite para as diversões noturnas. Tive que fazer assim, pois eles já acostumados com a minha fama de santinho, não me chamavam para essas orgias que eles programavam.
Fui com eles a zona de meretrício do Rio de Janeiro, cada um ficou com uma garota, inclusive eu. Acontece que eu não funcionei sexualmente. A mulher ficou preocupada com o meu desempenho zero, mas eu já intuía que isso podia acontecer, não fiquei alarmado. Pedi que ela tivesse calma, que ela não tinha culpa e que eu iria lhe pagar como deveria. Nenhum dos meus parceiros soube dessa falha no meu desempenho sexual, pois o meu objetivo era que todos soubessem que eu me comportei como eles, principalmente a minha avó, quando nos viu chegar ao amanhecer.
Depois desse episódio ela nunca mais fez comparações me colocando como o anjo da família. Agora a questão que quero colocar aqui com esse episódio é que, se o meu primogênito tivesse completa razão, eu teria feito o ato sexual sem nenhuma dificuldade. O fato de que eu não tenha conseguido, mostra que acima dos desejos instintivos se encontra outra estrutura mental com poder de bloqueio. No meu caso eu só posso dizer que são os sentimentos afetivos que prevaleceram. A moça era uma pessoa que eu estava vendo pela primeira vez, que tinha seus atributos sexuais, mas não tinha nenhum nível de convivência que tivesse criado afeto. Era simplesmente dois seres humanos que se encontravam pela primeira vez, a mulher vendendo seu corpo e eu que estava a comprar. Só que os seus fregueses usam os seus instintos sem nenhum bloqueio, enquanto os meus instintos sofrem forte bloqueio dos sentimentos.
Também percebo esse bloqueio dos sentimentos sobre os instintos sexuais em outras situações. Mesmo eu tendo uma prática sexual já estabelecida com uma pessoa, se ocorrem fatos que fazem essa pessoa entrar em conflito comigo, com meus sentimentos ou mesmo com meus paradigmas de vida, os instintos sexuais são automaticamente inibidos. O desejo sexual fica inibido e mesmo que eu decida iniciar o ato sexual, sinto por trás uma desmotivação que não alimenta o instinto sexual. Todas essas forças que se contrapõem ao ato sexual estão muito mais próximas do amor do que do instinto, portanto não posso aceitar que o sexo não tenha nada a ver com amor. Tem sim, nas pessoas que desenvolvem esse nível de sensibilidade e que não se deixam levar exclusivamente pelas forças instintivas.