Este é o terceiro dia que estou caminhando no meu “deserto consciencial” em busca de uma maior aproximação com Deus, seguindo as lições de Jesus. Apesar de estar bem preparado mentalmente para o que irei encontrar, confesso que minha caminhada não está sendo fácil, as tentações e os testes surgem e eu tropeço neles como pedras inevitáveis. Caio e me levanto, olho para frente e peço perdão a Deus. Meu espírito que aparentava limpeza, começa a ficar sujo e molambento, pois a cada queda eu sinto a sujeira do pó do egoísmo a me impregnar e rasgar.
O Anjo da Caridade se aproximou de mim na forma de um pedinte, estirou sua mão e meu coração respondeu com raiva e com medo. Raiva porque todos podem ter uma “bolsa-família” paga pelo governo com o nosso dinheiro e essa pessoa ainda assim vem pedir parte do meu trabalho que já é retirado mais de um terço para a sustentação deles; medo por estar contribuindo com a vadiagem de alguém que prefere mendigar a aceitar um trabalho. Todos são argumentos lógicos que minha mente aceita como racionais e também são referendados pela sociedade. Mas acontece que o meu espírito não fica satisfeito. Depois da reação instintiva de negação, surge o sentimento de arrependimento. A mão que se estende em minha direção pedindo a minha ajuda tem um apelo muito forte. Algo que eu não encontro palavras ainda para explicar, para justificar a ajuda frente os argumentos da negação.
A preguiça é outro adversário que está sempre me jogando ao chão. Não consigo colocar o corpo em regime de trabalho forçado para atualizar o que preciso fazer na vida prática e com os compromissos espirituais. Esperava que essa entrada no “deserto” me desse a motivação suficiente para isso acontecer, mas continuo com o mesmo padrão de dormir e acordar, de procrastinar, como vinha acontecendo.
Outro tropeço aconteceu hoje. Fui convidado para um jantar de confraternização do término de residência em psiquiatria do Hospital Universitário e não consegui deixar a essência do cristão se manifestar de forma efetiva. Estava no terceiro dia de Jejum, mas por obediência à cortesia eu teria que quebrar esse jejum que pensava estender até o quinto dia. No aspecto da gula não cometi grandes excessos, apesar ter evitado tomar tanto líquido. O que mais me incomodou foi não ter falado para meus colegas do sentido cristão desse período e da minha participação dentro dele, sem demonstrar com isso qualquer vaidade. Mas permaneci a maior parte do tempo calado, ouvindo conversas irônicas sobre músicas, escritores, filmes... Poderia eu ter falado sobre a importância de Jesus em nossa sociedade, da possibilidade de construirmos o Reino de Deus com o conhecimento que já possuímos, de como fazer para nos livrar dos instintos egoístas que herdamos... enfim, tanta coisa que eu tinha domínio e poderia colocar em debates, não fiz. Este foi o meu grande tropeço nesse início de caminhada no “deserto”.
Espero que o Pai tenha piedade de mim, me dê forças e sabedoria para que eu possa enfrentar os outros desafios que tenho pela frente.