Esta é a quinta lição que Jesus ensinou no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (Mt 5,7).”
Que é um homem misericordioso, então? É todo aquele que ama desinteressadamente os míseros, que são os sofredores, os deserdados do mundo, os humilhados e ofendidos, os enganados e roubados, os menos favorecidos, os nossos irmãos menores ou mais fracos; enfim, os retardatários na longa caminhada de retorno ao aconchego do Pai. Consola-os com paciência e alivia-lhes o sofrimento.
Quase sempre me esqueço de me incluir entre os míseros, pois preciso contemplar a mim mesmo com um profundo olhar de misericórdia, principalmente agora que está terminando o período dos 40 dias que decidi entrar no deserto psicológico para treinar o meu espírito no controle dos desejos da carne e sofri derrota em todos os itens de avaliação, até no mais simples deles que foi o controle alimentar. Por isso devo ser misericordioso não somente em relação àqueles que sofrem, mas também a mim mesmo. Sou como aquele que foi atacado por ladrões, saqueadores e ficou despojado da maravilhosa morada interior e agora perambula pelo mundo. O meu saqueador é o desejo da carne que rouba os frutos do meu espírito.
Um modelo de misericórdia que devo observar é o de Francisco de Assis, que praticou sua misericórdia sem esperar jamais qualquer retribuição ou recompensa, nem na terra nem nos céus. Seu fazer é naturalmente uma simples e pura consequência do seu ser. Quando o ser é bom, ele faz o bem em virtude de um transbordamento lógico, necessário e espontâneo, ele faz o bem por amor a própria bondade. Logo seu fazer não obedece a nenhuma condição, é simples doação, sem esperar qualquer gratidão por parte dos homens, nem mesmo um prêmio celeste por parte de Deus.
A própria graça divina que devo alcançar, segundo essa lição, deve ser incondicionada, deve ser graça que vem de graça, porque nenhum ser humano pode causá-la ou merecê-la, já que seria inconcebível eu reivindicar direitos em face de Deus. A graça vem, e vem necessariamente, pois conforme as leis cósmicas que regem o Universo, a misericórdia de Deus está sempre aberta e escancarada, à disposição de toda e qualquer criatura que se lhe torne idônea e receptiva, que lhe seja fiel, que já esteja afinada pela mesma frequência vibratória do infinito.
Para que tudo isso funcione no âmbito qualitativo da Metafísica, não basta que eu faça o bem, é necessário que eu seja bom, incondicionalmente bom, indefectivelmente bom, bom para com os bons e igualmente bom para com os maus. É preciso que eu seja capaz de amar os meus semelhantes pelo que eles são e não pelo que eles fazem, possam ou deixem de fazer. Qualquer criatura de Deus, dotada de livre arbítrio, é filha da Bondade Absoluta e tem a mesmíssima natureza do Pai, é uma luz divina no mundo, ainda que temporariamente escondida debaixo do velador ou do alqueire. Como estou longe ainda de atingir esse estágio, pois o que prevalece na minha mente é ainda o repúdio por alguém que se aproxima de mim nos semáforos pedindo uma ajuda, pois penso logo no uso de drogas, na ameaça que ela pode me causar... Não consigo ver o Deus que está escondido nela debaixo do velador!
Assim, se eu pratico qualquer espécie de mal ou de maldade, por ação ou omissão, é porque ignoro, pelo menos naquele momento, minha própria natureza e filiação divina; é porque mantenho uma visão separatista em relação ao Pai Celeste. Por isso mesmo a grande vítima do mal é sempre o malvado. Se eu não souber disso, ou sabendo deixar de praticar, então serei tão ignorante, hipócrita ou malvado quanto ele. Desse modo, o círculo da ignorância e da maldade tende a aumentar. Só existe uma forma de quebrar esta dura e aflitiva dicotomia de mal e de maldades. É a conscientização da Paternidade Única de Deus e a consequente fraternidade universal das criaturas.
Qualquer um pode fazer o bem, até mesmo pelos motivos mais egoístas e anticósmicos possíveis. Quando será que uma igreja, templo ou centro espírita, que corretamente condenam e abominam certos egoísmos terrestres, deixarão de incentivar e fazer a apologia de determinados egoísmos celestes, como a salvação da alma em troca de boas obras? Quando será que um partido político ao assumir o poder e fazer boas obras que é o seu dever, deixarão de corromper as instituições em busca de lucros financeiros indevidos e manutenção no poder pernicioso? Será que Deus deve pagar um preço ao homem pelo fato dele cumprir o seu dever? A tentativa de vender a alma a Deus não passa de um equívoco, um sentimento frágil e mercenário do ego.