Era o dia da hidroginástica. Fui dormir na noite anterior disposto a acordar e ir para o local da praia onde ela é realizada. O despertador me acorda pela manhã como eu havia programado, mas ao acordar a preguiça domina minha mente e decido não ir mais. Desligo o despertador, mas deixo programado para voltar a ligar uma hora depois. Volta a me despertar como previsto e sinto o sol forte que entra por minha janela envidraçada a queimar o meu rosto. Sempre associo a potência irradiante do sol a uma pequeníssima amostra do poder de Deus. Interpreto que além do despertador, era o Pai que estava me acordando. Verifico a hora e vejo que faltam quinze minutos para o início da hidroginástica, se eu me apressar e correr até o local chegarei a tempo. A preguiça ainda tenta argumentar para que eu fique no apartamento, pois estamos em plena semana santa e que eu poderia retomar os exercícios na próxima semana. Mas essa argumentação reforçou ainda mais a voz de Deus na minha consciência, afinal esta semana santa deve ser lembrada pelo esforço que o Mestre Jesus fez para cumprir a vontade do Pai, uma ação que Ele fez bem mais complexa e dolorosa que a minha, sem comparações! Não tergiversei mais. Vesti a minha sunga e sai do apartamento.
Fui correndo pelo calçadão, pois a ida pela areia, pela beira da praia, como sempre faço iria me atrasar. Encontrei o prefeito de Natal que vinha em sentido contrário e nos cumprimentamos com um aceno de mão. Talvez isso tenha sido mais uma preparação do Pai dentro dos projetos da seara da comunidade.
Cheguei no local da hidroginástica e a roda de alongamento inicial ainda não havia se formado. Fui na corrida um pouco mais adiante, onde a lagoa formada pelas águas do mar represadas pelas pedras faz uma curva e fiquei de frente para o sol e para as pedras. Paro de correr e fico orando ao Pai de frente para o Sol, recebendo Sua energia e dizendo com satisfação, Pai, estou aqui. Cumpri a Sua vontade e não a minha.
Fiquei nessa contemplação do poder divino com os braços elevados em direção ao sol, a brisa fria a envolver o meu corpo cansado e como uma barreira poderosa, as pedras negras, cheias de reentrâncias e estruturas cortantes me separando das ondas do mar e limitando a quantidade de sol que meu corpo recebe. Refleti que esse é o modelo da minha vida. Também tenho dentro de mim uma barreira de sentimentos egoístas e emoções enegrecidas e cortantes que me afastam de Deus. Mesmo limitados por essas barreiras íntimas faço o máximo de esforço que meu espírito consegue para me sintonizar com Deus e pedir Sua ajuda para vencer tão fortes obstáculos.
O Pai nada “falou” para mim, no silêncio da minha consciência, mas eu sabia que Ele estava ali a observar meus pensamentos e a sondar o meu coração. Só que eu não atentei que Ele também leu o que escrevi ontem sobre a coragem que eu deveria ter de publicar aquilo que trouxesse desonra para mim, mas que pudesse ser útil para a coletividade, principalmente no exercício do perdão, e que iria me colocar à prova por causa disso.
Quando terminou a hidroginástica eu voltei para o apartamento pela beira da praia. É uma caminhada de aproximadamente meia hora. Quinze minutos correndo, como fiz na vinda, e meia hora andando, como iria fazer agora. Não tinha andado nem mesmo cinco minutos quando senti uma forte necessidade de evacuar. Era estranho, pois eu não tive nenhuma sinalização fisiológica que isso poderia acontecer. Eu sabia que mais adiante tinha banheiros públicos que eu podia usar. Tinha que me controlar e chegar até lá. Parei um pouco a caminhada e até a respiração. Fazia um enorme esforço em todos os meus músculos, principalmente os esfíncteres para não deixar sair nada. Ao mesmo tempo tentava disfarçar tal esforço para que as pessoas que caminhavam não percebessem o meu desespero. Eu me curvava como se tivesse olhando com curiosidade peixinhos nas pedras, mas era só aparência, pois naquele momento até meus olhos estavam fechados. Felizmente o espasmo da região anal para expulsar o conteúdo indesejado foi aliviando e retomei a caminhada para o banheiro público. Mas não consegui nem subir para o calçadão onde ele se encontrava um pouco mais adiante, uns trezentos metros. A cólica dessa vez não respeitou os meus esforços e desesperado senti o conteúdo se despejar por dentro da sunga. Não podia mais subir o calçadão com aquele bolo fecal a me denunciar pelo volume e pelo fedor. Não podia arriar ali onde as pessoas caminhavam e felizmente não tinha ninguém ainda perto de mim. Não havia outra saída a não ser entrar dentro d’água e resolver a situação longe dos olhos dos curiosos, mas sacrificando a pureza do mar. Sentia-me um criminoso ao fazer isso, pois lembrava que antes de ter orado ao Pai, em frente ao sol, eu havia percebido cocô de cachorro e no silencio da minha consciência eu havia acusado aqueles proprietários de cães que os levam a passear sem o devido cuidado de não poluir a praia. Agora era eu que estava ali, impotente, fazendo algo pior que o cachorro e o seu dono fizeram. Tamanha lição entrou na minha mente nesse instante, de jamais condenar qualquer atitude errada que eu venha observar, como cocô na praia, quer seja de animais ou de humanos, ou mesmo alguém se aliviando na beira da estrada e agredindo o pudor público, pois eu não sabia a situação de quem fazia isso. Enquanto eu via o remanso das águas levar para longe o bolo fecal, eu fazia penitência na minha alma, pedia perdão a todos que se indignassem pelo fruto desse meu ato, e falava para o Pai que iria me esforçar para jamais condenar, de voz alta ou no silêncio da mente, atos politicamente incorretos, mas que eu não sabia as condições em que foram feitos.
Agora, lendo o que escrevi e publiquei ontem com o que tive que fazer hoje, senti mais uma vez a sondagem do Pai no meu coração: “Então, filho, vais ter coragem de publicar isso que fizeste? Pois sabes que essa lição que tivestes hoje irá servir muito pra ti, e também irá servir para muitos dos teus irmãos que ainda pensam como voce pensava ontem. Está pronto para sofrer na ‘pele’ a ironia e a condenação dos que ainda não estão prontos a absorver essas lições? Estás pronto a macular a imagem do teu ego, a brancura da tua bata de médico, as tuas teses de acadêmico, para ensinar os limites e necessidades do corpo que o espírito as vezes não consegue controlar?”
Senti vontade de apagar tudo que escrevi até agora ou mesmo guardar no fundo do meu computador para um momento que eu tivesse mais coragem de publicar. E senti o olhar piedoso do Pai a me acolher em minha miséria: “Sim, filho, eu entendo se tu não conseguires... Eu espero pelo seu tempo... Nós temos a eternidade...”
Mas refleti nas lições do Mestre Jesus, na Sua missão de ensinar a prática do amor que o levou ao escárnio da população, ao sacrifício desonroso na cruz ao lado de dois ladrões, longe dos amigos e beneficiados que até pouco tempo lhe cantavam hosanas na entrada triunfal em Jerusalém. E pela imensa sabedoria do Pai, esta lição foi colocada justamente no dia da Paixão do Mestre, o dia mais importante do ano para nossa evolução espiritual: a Paixão do Cristo, a prova final do Amor Incondicional a toda a humanidade. A minha pena com certeza não será tão severa quanto a que aplicaram a Jesus. E nessa observação da extrema coragem do Cristo em levar avante Sua missão, refleti que deveria usar a pequeníssima coragem que já possuo e fazer o que o Pai me deu como missão, respeitando a fragilidade e fraqueza dos meus ombros. Portanto, não afastarei de mim esse cálice.
Publicarei esta página!