Esta foi a oitava bem aventurança ensinada por Jesus, segundo Mateus (5,10): Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. As três primeiras bem-aventuranças: os pobres pelo espírito, os mansos e os tristes, são verticais e se destinam a abrir os nossos canais receptivos em relação a Deus. A quarta, os que têm fome e sede de justiça, tem por finalidade fazer a transição dessa abertura vertical que desce do infinito, para a horizontalidade dos finitos, pondo-nos a nós, um em face do outro. É uma ponte. As três bem-aventuranças que se seguem, ou seja, os misericordiosos, os puros de coração e os pacificadores, têm por objetivo lançar-nos de vez no serviço desinteressado ao próximo. Quanto a oitava, esta que examino agora, os que sofrem perseguição por causa da justiça, mostra a consequência de todas as outras sete.
Justiça no sentido espiritual é a harmonia entre o homem e Deus, entre o filho e o Pai, entre a criatura e o Criador, a derramar-se espontaneamente na solidariedade cósmica de todos os filhos de Deus.
Todos os seres realmente avançados na jornada espiritual sofreram e tem sofrido muito por causa dessa justiça. Alguns foram crucificados, flechados, enforcados, queimados, apedrejados, ou morreram de fome e sede em alguma masmorra escura e pestilenta. Outros são passados a fio de espada, decapitados, fuzilados, torturados ou trucidados.
Mas por que tudo isso?
Porque, independentemente de qualquer motivo específico, a incompreensão humana, a ânsia de poder, a ganância e a libertinagem coletiva, que ainda constitui a normalidade estatística doentia do mundo, não aceitam nenhum tipo de anormalidade, seja a anormalidade para baixo, a dos subnormais, retardados mentais, doentes psicóticos, miseráveis sem nome, sem fama, sem grana; seja a anormalidade para cima, dos supernormais, dos moralistas, éticos, virtuosos. Os subnormais são desprezados por causa de sua fragilidade. Já os supernormais são sempre perseguidos, pois a presença deles contraria frontalmente a ingratidão, o egoísmo e a mesquinhez do homem comum. A história nos revela que essa perseguição chega ao máximo do delírio exatamente contra os mais belos e avançados espécimes de nossa raça, aqueles que mais amam e dignificam a humanidade.
Os homens normais nunca toleraram e ainda não toleram a presença física de um autoiluminado. Matam-no geralmente, até mesmo para que se torne um santo. E depois... ainda lhe pedem graça e lhe imploram milagres! Neste mundo tão hostil, o homem crístico quando consegue escapar da perseguição ou da morte, acaba por tornar-se um solitário. Quase ninguém o compreende. Sente-se em pátria estrangeira, exilado. Alguns o consideram ingênuo; para outros é um tolo, se não for um louco. De qualquer modo, não passa de um visionário, de um inútil, segundo opinião dos normais.
Todavia, o sábio jamais se lamenta. Somente o sábio é realmente feliz, só ele é bem-aventurado, ainda que perseguido, mesmo no sofrimento.
É preciso saber também que, todo e qualquer sofrimento de um homem crístico é sempre periférico e temporário. Jesus, por exemplo, é o homem mais feliz que este mundo já viu. Seus sofrimentos eram inteiramente voluntários e não passaram de 15 horas, de quinta feira à noite até sexta-feira, sendo que os sofrimentos físicos, embora intensos e terríveis não ultrapassaram três horas de duração.
O Reino de Deus não quer dizer algum lugar de onde se vem, onde se está ou para onde se vai. O Reino dos Céus, onde mora o santo, é o Reino da Verdade Libertadora, o repouso no supremo ideal da consciência, é o estado de espírito de quem já está na paz do Cristo. O sábio, ao ingressar nesse Reino, entra na comunhão dos santos, estando, portanto, na melhor companhia que existe. Daí, essa estranha imunidade do homem crístico em face dos acontecimentos externos, de qualquer natureza. Prazeres e dores, por exemplo, não mais lhe interessam, não mais o afetam. São coisas neutras e periféricas do ego, que o sábio contempla como um simples espectador, a partir de sua atitude positiva interna.
Esta atitude, sim, me é prioritária, pois é ela que pode erguer-me ainda mais às alturas, rumo às culminâncias do meu eterno e glorioso destino.