Enfim, o trabalho com o bem está cada vez mais me aproximando do mal. Cada vez que o mal prejudica alguém, a tendência do bem é fazer a correção. Por isso essa aproximação é inevitável. O que resta saber é como essa aproximação deve ser conduzida. É necessária muita sabedoria para que nessa aproximação não exista o conflito entre adversários e sim solidariedade entre irmãos. Agora, como fazer isso acontecer? O mal é ousado, prepotente, injusto, aproveitador... O bem tem somente o Amor ao seu lado. Como usar essa sutil, mas poderosa força, para corrigir os efeitos do mal em corações tão corrompidos pelas mais diversas formas de egoísmo? Esta é a raiz do problema que não encontrei até agora a solução para resolvê-lo, e parece que mesmo a sociedade não consegue fazer isso. Mesmo com as lições do Cristo dadas há 2.000 anos, o egoísmo e a violência continuam a imperar entre os povos de toda a humanidade, com poucas exceções.
No caso específico da comunidade da Praia do Meio, o trabalho do bem é realizado no meio da influência do mal, que praticado pelos adultos se espalha pelas crianças. Acredito que este trabalho não consiga alcançar, no momento nem 1% da comunidade. Existe o temor de assaltos e qualquer tipo de violência vindos de dentro da comunidade até mesmo contra nós, que estamos ali dentro com o objetivo cristão de fazer o bem sem esperar nenhum tipo de recompensa material.
A ajuda que estou dando à família do rapaz assassinado como se eu fosse um verdadeiro parente biológico e não como um simples técnico, saindo dos limites do assistencialismo e entrando na fraternidade do Reino de Deus, me coloca bem mais próximo da influência do mal. A família do assassino, e principalmente este, gera uma ameaça constante de também fazer o mal aos membros da família que por lei tem a obrigação de prestar depoimento como testemunha do que aconteceu. Ao oferecer a proteção do meu flat à família ameaçada estou indo de encontro a esses interesses do mal que pode me incluir em suas represálias. Sei que me expondo assim às ações do mal, em defesa de uma prática cristã, fico vulnerável a ação do mal, assim como ficaram vulneráveis os primeiros cristãos a ação maléfica do poder de Roma que os levavam para a morte sob tortura, nas arenas em forma de circo.
Este é um novo patamar de violência contra os cristãos que estão engajados na construção do Reino de Deus. No passado a violência era feita pelos governantes que se opunham às lições do Cristo, não reconheciam o comportamento divino do Mestre. Hoje a maioria dos governantes também é cristã, não tem o objetivo de praticar a violência contra os irmãos cristãos. Quem faz isso também geralmente são cristãos e vivem envoltos na ignorância, na lei do egoísmo e que visam exclusivamente à própria sobrevivência. Então, a luta de hoje é muito mais sutil, pois devemos considerar o nosso agressor como irmão e que se ele pratica agressão contra nós é por ignorância ou por doença, o caso dos psicopatas que não desenvolvem nenhum tipo de empatia por suas vítimas. Se existe dificuldade na organização das pessoas interessadas na prática do bem para realizar essa construção do Reino de Deus, muito mais difícil vai ser a aproximação com esse agressor que passa a me considerar como inimigo devido fazer o bem a quem ele quer prejudicar. Como fazer isso sem despertar dentro da consciência dele mais motivos para gerar violência?
Mais uma vez me sinto impotente. Os conhecimentos que tenho, adquiridos dentro da academia e dos diversos livros espiritualizados, não conseguem fazer dentro da minha consciência uma estratégia de ação segura para reverter o poder do mal. Porém sei que estou sendo um instrumento de Deus e da mesma forma que Ele fez com que eu tivesse condições de decidir sobre uma prática de solidariedade cristã, além dos limites do assistencialismo, como eu estava preocupado em resolver, sei que Ele vai me colocar em situações em que minhas decisões sirvam para essa reversão do mal.
Sinto que o trabalho cristão está se aprofundando em todas as direções dentro da comunidade, que Deus tem enviado os trabalhadores necessários a cada dificuldade que surge e que depende do meu empenho e energia a condução para o resultado esperado. Muitas vezes fico a me perguntar se a preguiça não está atrapalhando essa condução, orientação e exemplo que devo praticar dentro do grupo, mas depois vejo que todas as ações que faço sempre estão dentro da vontade de Deus. Como tenho ações muito diversificadas, termino por ter o meu tempo muito fracionado. É importante que Deus intua em meus companheiros, mais próximos ou distantes, essa necessidade que tenho de que alguém ocupe os espaços que por algum momento eu deixe de estar presente, por estar envolvido em outras atividades, pois tudo está contribuindo para a realização da vontade do Pai. Até mesmo os meus vícios e defeitos, que me deixam preocupado muitas vezes, servem como motivos para que eu desenvolva tolerância com os meus irmãos que também são afetados por seus vícios e deficiências. E tudo isso é importante no enfrentamento com o mal, pois lá existe um império de vícios e defeitos, e são os meus vícios e defeitos que podem me deixar simpáticos dentro do mundo que eles vivem, assim como acontece nos grupos de mútua ajuda, onde os prejudicados por algum vício prestam o melhor serviço uns aos outros, mesmo comparados ao melhor serviço técnico que possa ser oferecido.
Assim, com essa digitação, os argumentos vão chegando e surge na consciência uma forma de abordagem que deve ser bem mais simpática aos praticantes do mal. Fazer uma roda de conversa tipo reunião de mútua ajuda, onde todos possam colocar os seus vícios e defeitos. Como eu sei que tenho os meus, estou nivelados a todos os marginais, drogados e prostitutas que carregam nos ombros o peso de seus vícios e defeitos.
Pronto! Eis que Deus acaba de me intuir nesta ação que agora a inteligência deve ver como realizar.