Sentei com uma pessoa pela primeira e durante o tempo que ficamos juntos conversamos sobre trabalho, política e procurei levar o tema para a espiritualidade com o objetivo de ver a forma de ele pensar nesse campo. Ele é evangélico, tem uma esposa também evangélica e duas filhas de menor idade. Perguntei como é que ele entendia a vida depois da morte, já que ele é evangélico e sabe que nosso corpo deteriora com a morte, mas o espírito continua vivo. Ele procurou responder usando os jargões da Bíblia, que Jesus veio para nos salvar e que agora está no céu ao lado direito de Deus. Falou dos cabritos e das ovelhas que serão separados de cada lado; que devemos fazer o bem para sermos salvos. Tentei diversas vezes levar o assunto para uma resposta do que o espírito pode fazer no mundo espiritual, mas sempre a compreensão do meu interlocutor circulava ao redor de uma ideia parada, sem preocupação em crescer com a obtenção da verdade desconhecida, de evoluir tanto nesta dimensão material quanto na dimensão espiritual.
Mesmo que eu tenha percebido também a disposição que ele tinha em me ouvir, em dar a minha opinião, eu não sabia como encaixar o meu conhecimento com as certezas que ele pensava ter. Como fazer isso sem colocá-lo na defensiva, sem que ele pensasse que eu queria derrubar a certeza dele como se fosse uma mentira, e colocando o que eu pensava como sendo a verdade. Sei que devo fazer esse processo de educação e talvez até de evangelização, de forma bastante didática, colocando cada argumento associado a uma forte coerência. Sei que a convicção religiosa é uma forte certeza que a pessoa imagina e logo é uma certeza que está associada a Deus, a maior força do Universo e que não admite dúvidas quanto a forma de ser concebido.
Com essa experiência percebi a imensa dificuldade que tenho pela frente no trabalho cristão que desenvolvo na Praia do Meio. Essa pessoa com quem acabei de conversar tem um nível intelectual acima da média daquela comunidade, procura trabalhar dentro da honestidade e com seus próprios recursos e já tem uma boa disposição para seguir a vontade de Deus. Mesmo assim a verdade do Reino de Deus está ainda muito longe da sua compreensão, considerando a minha forma de pensar e agir. Essa dificuldade vai estar presente e ampliada na Praia do Meio. Mesmo que seja colocada em nosso trabalho, principalmente nas reuniões, o sentido evangélico de nossas ações, a forma de cada um pensar a sua relação com o Criador e principalmente o que acontece com o espírito após a morte, é muito diferente.
Dentro destas considerações, vejo que o importante no trabalho comunitário da Praia do Meio são as ações que são realizadas por todos com o mesmo foco evangélico. Isso serve como antídoto contra os interesses político-partidários ou religiosos que tendem a dominar as agremiações comunitárias, porém a conscientização da realidade do Reino de Deus não pode ser colocada em minúcias, pois isso irá se confrontar fatalmente com a convicção religiosa que cada um desenvolve e que está cristalizada na mente como observei na conversa com o evangélico.
Tenho esperança que essa conscientização vá se firmando ao longo de nossas ações e as colocações teóricas que possamos fazer, associando a lógica com os conhecimentos espirituais e a prática comunitária.