Interessante, como a verdade que surge em qualquer momento de minha vida pode mudar o foco dos meus pensamentos, sentimentos e ações. Isso em qualquer área, pois já vi isso acontecer com pessoas próximas que mostram de repente que não é aquilo que projeta ser. Dentro da intimidade ou na relação com outras pessoas à distância, tem um pensamento e comportamento diferente daquele que mostra para mim. Quando eu percebo isso, que pode ser de forma objetiva ou intuitiva, considero essa pessoa naquele momento como hipócrita, pois defende uma coisa num momento junto a algumas pessoas e mais tarde na sua intimidade ou na relação com outras pessoas, passa a pensar e se comportar de forma diferente.
Apesar de mudar a minha conceituação e até forma de agir com determinada pessoa, quando percebo nela traços ou hipocrisia declarada, não a isolo, condeno de forma pública ou trato com indiferença, mas procuro agir com mais cuidado para evitar prejuízos, e mesmo que eu veja que estou ainda sendo prejudicado por essas ações hipócritas, mesmo assim permaneço perto como forma de aguardar que a minha forma de agir dentro do amor incondicional seja capaz de curar tão grave ferida da alma.
De certa forma isso aconteceu com Roberto Carlos a quem eu tinha como ídolo desde a minha adolescência. Ao ler o livro de Paulo César de Araújo, “O réu e o rei”, que fala da biografia não autorizada do cantor, “Roberto Carlos em detalhes”, vi que o mesmo processo agora acontecia comigo, com uma pessoa que nunca falei diretamente, nem nunca o vi pessoalmente, pois nunca fui a nenhum dos seus shows. Mesmo assim as suas músicas românticas repercutiam profundamente em minha alma desde a adolescência até o momento atual. Quando eu comprei esse livro do Paulo César, que estava exposto em uma feira de livros no Norte Shopping em Natal, nada sabia desse imbróglio que acontecera entre autor e cantor. Tinha ouvido falar sim, mas muito superficialmente, não dei valor a informação, não entrei no mérito da questão.
Quando comecei a ler o livro, percebi que era bem escrito, de forma leve, direta e cheio de detalhes que também faziam parte de minha vida. De repente me vi envolvido pela leitura e não queria mais parar de ler, pois tudo se encadeava como uma série de emoções que evocava a urgência de ler os capítulos seguintes. Apesar de todo o trabalho e responsabilidades que tenho de cumprir durante a semana, incluindo o sábado e domingo, mesmo assim conclui o livro em nove dias.
Esse foi o tempo suficiente para que a verdade que o Paulo César me trouxe conseguisse mudar drasticamente a ideia e conceito que eu tinha do ser humano: Roberto Carlos. Percebi que as canções tão lindas que ele gravou não faziam eco com os sentimentos que ele tinha dentro do seu coração e da vontade que exercia ao seu redor. A figura de “rei” que respeitosamente eu acatava em minha consciência, perdeu de repente toda sua “majestade”, de repente o “rei” estava nu e não era nada bonito o que minha consciência percebia.
Não vou deixar de sentir o que suas músicas evocam dentro do meu coração, o sentimentalismo que faz sintonia com o meu romantismo, mas todos esses sentimentos estão agora dissociados do seu autor, ou melhor, do seu intérprete. Acredito que o cantor tenha até sentido as emoções que ele canta em suas composições e interpreta com tanta emoção; acredito que isso não seja falso, ele realmente sente isso quando compõe e quando interpreta no palco. Mas por uma estranha transformação motivada pela força instintiva do egoísmo que prioriza os recursos materiais, o ganho do vil metal, ele coloca na vida cotidiana esses valores monetários acima do romantismo do qual ele conseguiu ser o “rei”.
Esse comportamento do “rei” soa dentro da minha consciência como um ato de hipocrisia, de algo que ele faz de forma íntima, mas que não consegue dizer essa verdade em público, pois a verdade destrói a personalidade, a persona, a máscara que ele criou para a sociedade. O livro de Paulo César induziu o comportamento que o autor em outra obra demonstra: tirou a indumentária da realeza e agora minha consciência identifica não mais um “rei”, mas um mendigo dos valores espirituais, apesar de compor e parecer ser uma pessoa tão espiritualizada.
Se eu nunca fiz questão de assistir um show de Roberto Carlos, apesar de ter condições de pagar o alto preço do seu ingresso, hoje não tenho nenhum interesse em vê-lo em nenhum show, mesmo que seja aparentemente gratuito, pois ele nada faz de gratuito para ninguém, sempre tem uma condição de retorno por trás de toda aparente boa ação. Mas a qualidade de suas música sua hipocrisia não vai roubar de mim, vou continuar a ouvi-las e a me emocionar com elas, como fazia na adolescência e até hoje com tantos anos vividos, quando a nostalgia toma conta do meu coração.
Também não quero parecer radical e dizer que destruí o ídolo Roberto Carlos para sempre em minha consciência. Se amanhã eu tiver a informação que de alguma forma tudo que li foi mentira, ou que o cantor deu demonstrações reais de ter mudado realmente o seu comportamento e que destruiu sua hipocrisia, voltará a ter um destaque em meu coração e minha consciência.