No segundo capítulo do livro “Retratos de Nazaré” ditado pelo espírito Léon Tolstoi, ele abre com um trecho do “Evangelho Segundo o Espiritismo”, capítulo IX, organizado por Allan Kardec: “A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem que os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão, a resignação é o consentimento do coração, forças ativas, ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, da mesma forma que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obediente.”
Essa abertura serviu para Tolstoi contar a história de duas pessoas que se conheceram durante uma palestra que Jesus fazia na comunidade, e logo o amor despertou entre os dois com toda a intensidade. Mas como ele era um judeu pobre e ela uma jovem de poderosa família romana, logo perceberam que se continuassem com o seu idílio iriam afrontar suas famílias e muito sofrimento iriam gerar devido aos preconceitos e intolerâncias da época. Por esse motivo eles decidiram não mais se encontrar, e a moça aceitou se casar com a pessoa também poderosa que o seu pai indicou. O rapaz nunca casou, ficou ajudando o pai até a morte dele. Pegou sua parte da herança e foi em busca dos discípulos do Mestre, já que este já não estava entre os encarnados, pois fora crucificado. Construiu uma espécie de abrigo à beira da estrada onde todos os desamparados da sorte podiam ser acolhidos.
Este foi o exemplo de obediência que cada um acatou ouvindo as razões do coração e continuando as suas vidas sem mágoas, por sentirem que fizeram a coisa certa. Também é um exemplo de resignação, pelo coração ter consentido a viver longe da sua amada sem com isso levar a pessoa à depressão ou outras formas de autodestruição.
Agora eu passo a refletir nas decisões que tomei na vida e que parece que vai na contra mão dessas lições oferecidas pela espiritualidade maior. Será que eu, ao ceder aos desejos de me relacionar intimamente com outra pessoa fora do casamento, causando com isso o rompimento da família nuclear que eu havia construído, não levou a sofrimentos em pessoas que viviam sob minha influência direta? Não poderia ter convencido o meu coração a ser resignado e não procurar nutrir aquele desejo que surgia agora na minha frente, como aconteceu na história? Se eu faço essa comparação direta, é claro que vou me considerar culpado, que falhei na obediência aos votos que fiz no altar e não tive a resignação necessária para abrandar os desejos do coração. Se eu fosse aplicar o meu juízo atual com aquela situação do passado, sem nenhuma outra consideração, eu iria me declarar culpado. Acontece que eu tenho uma consideração fortíssima que justifica minhas ações naquele momento distante no tempo e que se consolida no momento atual.
No momento atual eu tenho a firme convicção que estou seguindo a vontade de Deus, cumprindo o programa do Amor Incondicional em todos os ângulos que eu seja avaliado. E isso só se tornou possível porque eu tomei aquela decisão no passado, deixando fluir o amor por onde ele queria se manifestar e ao mesmo tampo agindo com justiça, permitindo que o mesmo fluxo de amor que perpassa por mim e minhas companheiras de momento, também pudessem passar por minha esposa e seus prováveis companheiros de momento.
Então, a obediência e resignação que eu não tive no passado, deixaram livre a manifestação de uma força maior, a força do Amor Incondicional associado a um firme padrão de justiça e solidariedade. Considero que esta força maior deveria ser expressa em algum momento acima dos seus derivados como obediência e resignação. Agora o Amor pode se expressar acima e apesar da obediência a regras de natureza egoísta, e da resignação que deixa a situação permanecer como sempre foi, no intuito de não trazer sofrimento. Talvez seja nesse ponto que o Cristo orientou que não viera para trazer a paz das conveniências, dos preconceitos, das intolerâncias; ele viera para trazer a espada que iria ser bramida dentro da própria casa com os próprios parentes.
Tudo isso sinaliza que eu fui além dessas lições comportadas da obediência e da resignação, mas acontece que terminei servindo de instrumento de Deus para atingir o nível em que me encontro e ser modelo para o mundo que eu quero construir, no dizer de Mahatma Gandhi.