Acabei de ler a primeira parte do livro de Moacyr Scliar, “Manual da Paixão Solitária” que fala da relação do patriarca Judá com seus três filhos, Er, Onan e Chelá e a nora, Tamar. O autor usa como relator da história, o filho caçula, Chelá. Fala da origem familiar do seu pai, filho do patriarca Jacó, descendência direta de Isaac e Abraão. Judá teve que trabalhar 14 anos para conseguir casar com a mulher que amava, Raquel, depois de ter casado antes com a sua irmã mais velha, Lia, por esperteza do seu pai, Labão. Dessa forma, casado com duas irmãs e ainda podendo dormir e engravidar as servas, Jacó teve os seguintes filhos com as seguintes mulheres e entre parêntesis a ordem do nascimento de cada um deles: com Lia, a primeira esposa – Ruben (1), Simeão (2), Levi (3), Judá (4), Issacar (9), Zebulon (10) e Diná (11); com Zilpa, serva de Lia – Gade (7) e Aser (8); com Raquel, a segunda esposa – José (12) e Benjamim (13); e com Bila, serva de Raquel – Dã (5) e Naftali (6). Podemos ver assim uma forte variedade de relacionamentos que era permitido ao homem e com a possibilidade da geração de filhos, todos devidamente reconhecidos dentro da hierarquia que se formava.
Após os três principais patriarcas do Antigo testamento, Abraão, Isaac e Jacó (este que passa a se chamar Israel depois que luta com um anjo), surge Judá como uma personagem muito importante. Ele dá o nome a uma das tribos de Israel, que correspondem a descendência dos seus irmãos. Os antigos israelitas valorizavam mais a sua origem tribal do que a noção de uma nação, que só viria a ser constituída com o início das monarquias de Saul e Davi. Com a morte do filho de Davi, o rei Salomão, ocorre a crise que leva a separação das tribos de Israel em dois reinos distintos: dez tribos formam o reino de Israel, enquanto a tribo de Judá, Benjamim e Levi constituem o reino de Judá que continua a ser governada pelos descendentes de Davi. Aqui pela primeira vez os israelitas do sul são chamados de judeus devido a sua conexão com o reino de Judá e posteriormente por todos aqueles que aderissem à doutrina religiosa desse reino, que passou a ser conhecido como judaísmo.
Assim temos esclarecido os termos israelitas e judaísmo, todos intrinsecamente ligados à Judá, pai dos protagonistas da história que Moacyr Scliar vai desenvolver,
Chelá relata que seu irmão, Er, por ser o primogênito foi escolhido para casar com Tamar, filha de um sacerdote. Acontece que Er não tinha motivações eróticas por mulheres, era homossexual. Como controlava bem seus impulsos distorcidos, o pai nunca suspeitara, apesar dos irmãos desconfiarem. Dessa forma o casamento foi contratado e realizado. Porém, Tamar não conseguiu se realizar como mulher, seu marido deitava ao lado dela como um morto, assim ela confessara certa vez a Selá, e nada acontecia. Vivia triste, sorumbática e passou a flertar com os rapazes. Para Er isso não significava nada, mas para Onan isso era imperdoável, a sua cunhada tinha um comportamento de meretriz. Com o tempo, Er não conseguiu resistir as pressões do pai para que ele engravidasse a esposa, chegou a ser agredido fisicamente pelo pai em público, e resolveu terminar com sua vida. Após o suicídio, Onan devia assumir a esposa e gerar os filhos que deveriam ser de Er. Mas Onan não aceitou essa incumbência, uma por não simpatizar mais com Tamar por considerá-la uma prostituta, e outra por querer os seus próprios filhos e não gerar prole para o irmão morto. Mesmo assim tinha que obedecer ao patriarca, seu pai. Casou com Tamar, mas desenvolveu uma técnica de castigá-la de forma impiedosa. Fazia relações sexuais com ela, o que seu irmão nunca fez, mas nunca deixava ela atingir o orgasmo ou engravidar. Quando ele sentia que estava perto do prazer final, retirava o pênis e deixava jorrar fora o semem, deixando Tamar revoltada e furiosa. Mas Onan sabia que esse procedimento não era correto, e a culpa que ele passou a acumular em sua consciência, terminou por levá-lo a morte também. Agora só restava Chelá, o relator desta história para tentar engravidar a cunhada após o casamento. Mas como ainda não tinha idade e o pai tinha medo de acontecer com ele o que acontecera com seus irmãos, decidiu protelar o casamento o máximo possível. Apesar de Chelá mostrar que gostava de Tamar e que queria casar com ela, o pai foi taxativo e não permitiu. Chelá então viu que teria que tomar outras providências.
Certo dia se vestiu como uma prostituta e de véu no rosto se postou na porta do Templo por onde Judá frequentava na condição de patriarca. Quando Judá, já viúvo, viu aquela mulher de olhos sensuais a lhe espreitar por sobre o véu, resolveu deitar com ela, sem saber que era Tamar, pensava que era uma prostituta. Como não tinha como pagar na hora o que a pretensa meretriz cobrara, um carneiro, ele deixou por sugestão dela seus emblemas de patriarca como garantia.
Finalmente foi descoberto o truque, quando ele, Judá já havia decretado a pena de morte para ela, Tamar. No momento do cumprimento da pena, Tamar pediu para falar e revelou que o patriarca era o pai do seu filho. Judá reconheceu que havia sido injusto ao não permitir o casamento de Tamar com o seu caçula e assumiu o filho e a mãe. Chelá conviveu com Tamar numa relação dúbia enquanto possível candidato para amante da mulher do seu pai, já que Judá não tinha mais o vigor da mocidade para atender as necessidades de fêmea da mulher. Tamar gerou dois filhos, gêmeos, de Judá, o qual Perez, o primogênito, deu seguimento que levou a Davi e a Jesus.
Observo assim que dentro dessa genealogia do Mestre há uma contaminação extrema de comportamentos egoístas que levam as diversas formas de injustiça, principalmente contra as mulheres.
Quando observo meu comportamento que é considerado pela cultura atual tão condenável, e comparo com o comportamento daqueles patriarcas que construíram o edifício moral das diversas formas de religião no ocidente, vejo que a minha trilha é muito mais ética e mais próxima de um Deus que se manifesta na Natureza e nas leis que Ele criou.