Juliano de Espira, ao escrever a biografia de Francisco de Assis (Fontes Franciscanas e Clareanas, cap. VII), citou o fato de ele ter enfrentado muitas e graves agressões e ofensas, antes de chegar ao próprio Sultão, na viagem que fez à Síria, época em que se travavam combates diários entre cristãos e infiéis. Com eloquência ele rebateu as palavras que ladravam contra a fé cristã. O sultão, porém, recebeu-o com a máxima honra e ofereceu-lhe muitos e preciosos presentes. O Santo de Deus, no entanto, considerava tudo aquilo um desprezível esterco. Por isso, o sultão ficou ainda mais admirado diante de um homem tão diferente dos outros e o ouviu com a maior atenção. Mas nem por isso o ditoso homem viu cumprido o seu desejo; por uma graça especial, o Senhor lhe reservou o privilégio de carregar, de forma admirável, os sinais das chagas.
Eis aqui o que me chamou a atenção, o que liga o meu nome a Francisco de Assis, por uma característica especial: as chagas. São Francisco procurava seguir com o maior rigor o exemplo do Cristo, na pobreza, no amor e até no padecimento; ansiava sofrer as mesmas chagas da crucificação, como um marco espiritual importante para a sua alma. Com esse propósito é que ele viajou para a Síria, em pleno cenário de guerra, para falar com o chefe do exército contrário, imaginando que poderia sofrer suplício em defesa do nome do Cristo.
Não tenho a ambição espiritual de Francisco de Assis, de ficar mais próximo de Deus através da mortificação do meu corpo de nenhuma maneira, a não ser com os jejuns que faço esporadicamente. Mesmo assim não é para castigá-lo por ele desejar o prazer da comida, e sim para disciplinar e não provocar doenças que sei que a obesidade provoca. Então não é uma mortificação corporal em busca da aproximação de Deus ou sofrer um pouco parecido com aquilo que Jesus sofreu. O meu objetivo com o jejum pode até também ter uma conotação espiritual, de manter saudável o templo de Deus, como pode ser considerado o corpo. Mas essas chagas corporais eu não procuro, e no entanto o meu nome tem essa sinalização. Com certeza existe um propósito, como tudo que Deus coloca em nossas vidas. Não fui eu que me batizei e escolhi o nome, mas as circunstâncias do meu nascimento assim favoreceu a colocação deste nome: Francisco das Chagas.
Ao fazer uma procura mental para justificar o nome, imagino o seguinte. Pode ser que não tenha nenhum significado, como tantas pessoas que têm este mesmo nome que tenho e não têm essas preocupações. Acontece que eu estou sempre sintonizado com aquilo que Deus está fazendo ou fez na minha vida, para explicar a minha conduta atual e os meus projetos e expectativas futuras. Se Ele proporcionou que o meu nome tivesse essa partícula de “Chagas”, que implica em sofrimento, relacionado a Francisco de Assis que assim procurava por ele para fazer a Sua vontade, como ele imaginava, será que não tenho também nesse caso um mesmo paralelismo? Eu procuro fazer a vontade do Pai seguindo as lições do Mestre Jesus, assim como Francisco de Assis. Agora, o meu foco é diferente. Enquanto Francisco elegeu a Pobreza como o foco principal e a mortificação dos desejos do corpo como um caminho a seguir, eu elegi o Amor Incondicional como o foco principal e o uso dos desejos corporais como alavanca ou motivação para essa realização; para tirar o corpo da ociosidade da preguiça ou do repouso, em busca da ação solidária, fraterna, mesmo que isso implique em relacionamentos íntimos. O caminho escolhido por Francisco de Assis incluía como consequência o surgimento das chagas corporais; o caminho que escolhi inclui como consequência o surgimento de chagas emocionais.
Assim pode se justificar o meu nome dentro dos projetos de Deus. Também tenho a preocupação de Francisco, de manter ocultas essas chagas. Para ele era mais difícil, pois eram chagas expostas no corpo. Para mim é mais fácil, pois são chagas expostas na alma, longe dos olhares curiosos, a não ser quando as lágrimas indiscretas denunciam o meu padecimento.