Fui fazer Evangelho no Lar, na companhia de R e E, na casa de uma amiga que mora com seus dois filhos, após a separação conjugal. Ela se sente injustiçada, pois o ex-marido não dá o apoio financeiro nem emocional que os filhos precisam e ainda a trata com ameaças, explícitas ou veladas. O filho mais velho teve que sair. Ficou apenas o mais jovem. Abri o livro “O Evangelho segundo o Espiritismo” ao acaso e o trecho lido, no capítulo VII, foi o seguinte:
“E vós todos que sofreis injustiças dos homens, sede indulgentes para com as faltas de vossos irmãos, em vos dizendo que, vós mesmos, não estais isentos de censura: isso é caridade, mas também é humildade. Se sofreis calúnias, curvai a fronte sob essa prova. Que vos importam as calúnias do mundo? Se vossa conduta é pura, Deus não pode vos compensar? Suportar com coragem as humilhações dos homens é ser humilde e reconhecer que só Deus é grande e poderoso...
“Quando Moisés foi, sobre o Monte Sinai, receber os Mandamentos de Deus, o povo de Israel, entregue a si mesmo, abandonou o verdadeiro Deus; homens e mulheres deram seu ouro e suas joias para um ídolo que adorassem. Homens civilizados, fazei como eles: o Cristo vos deixou Sua doutrina, vos deu exemplo de todas as virtudes, e abandonastes exemplos e preceitos; cada um de vós com as suas paixões, fizestes um Deus ao vosso gosto; segundo uns, terrível e sanguinário, segundo outros, descuidado dos interesses do mundo; o Deus que fizestes é ainda o bezerro de ouro que cada um apropria aos seus gostos e as suas ideias.
“Despertai, meus irmãos, meus amigos; que a voz dos Espíritos atinja os vossos corações; sede generosos e caridosos sem ostentação, quer dizer, fazei o bem com humildade; que cada um destrua, pouco a pouco, os altares erguidos ao orgulho. Numa palavra, sede verdadeiros cristãos, e tereis o reino da verdade. Não duvideis mais da vontade de Deus, quando dela vos dá tantas provas. Viemos preparar os caminhos para o cumprimento das profecias. Quando o Senhor vos der uma manifestação mais radiosa de sua clemência, que o enviado celeste não encontre mais em vós senão uma grande família; que vossos corações brandos e humildes sejam dignos de ouvirem a palavra divina que ele virá vos trazer; que o eleito não encontre sobre seu caminho senão as palmas depositadas pelo vosso retorno ao bem, à caridade, à fraternidade, e então vosso mundo se tornará o paraíso terrestre. Mas se permanecerdes insensíveis à voz dos Espíritos enviados para depurar, renovar vossa sociedade civilizada, rica em ciência e, todavia, tão pobres em bons sentimentos, ah! Não vos restará mais senão chorar e gemer sobre vossa sorte. Mas não, não será assim; retornai a Deus, vosso Pai, e então nós todos, que houvermos servido ao cumprimento da sua Vontade, entoaremos o cântico de ação de graças, para agradecer ao Senhor por Sua inesgotável bondade, e para glorificá-Lo em todos os séculos dos séculos. Assim seja. (LACORDAIRE, Constantina, 1863).”
Não poderia ser melhor a escolha de um texto para reflexão dentro da problemática de cada um. Iniciei colocando as minhas considerações sobre as lições do texto e ressaltei: sim, devemos ser indulgentes com as faltas de nossos irmãos, mesmo porque isso não parece tão simples. Onde nós avaliamos como estarmos sendo vítimas de injustiças ou de perseguições, ontem ou amanhã seremos nós os vilões. Coloquei como exemplo a minha situação; fui expulso da casa de duas companheiras com as quais convivia, de forma dramática, violenta até... Saí dessas casas sem nenhum bem material comigo, apenas com minhas roupas, livros e CDs/DVDs. Eu me sentia injustiçado, depois de tanto ter feito no campo material, de tanto amor ter depositado dentro daquelas casas, agora eu era escorraçado, considerado uma pessoa não grata, digno da indiferença ou do ódio de todos. Por lado, qual o mal que eu causei a essas pessoas? E aos nossos filhos? Certamente elas têm consigo muitas razões... então, a atitude mais coerente quando sofremos censura, calúnia, desprezo... é baixar a fronte sob essa prova que por trás pode ter sua lógica e justificativa. E mesmo que não haja, suportar essas humilhações, é prova de nosso reconhecimento de que somente Deus pode ser perfeito o suficiente para qualquer acusação ou censura ser injusta. Isso sim, é prova de humildade.
Como se Deus quisesse colocar à prova o que eu acabara de dizer, E pedia a palavra e passou a me criticar e censurar pelos atos passados, presentes e futuros. Eu ouvia tudo calado sem rebater. Curvei minha fronte sob essa prova. Mais uma vez foi jogado em meu rosto o sofrimento que causei às minhas companheiras e filhos, o que acontece até hoje, segundo o seu julgamento, e que eu deverei pagar por isso frente ao Senhor. Critica com veemência o meu comportamento de colocar o sexo dentro do Amor Incondicional, que para ela é uma blasfêmia. Que ainda estou disposto a gerar filhos e deixá-los sem o apoio afetivo, da proximidade paterna, apenas com o apoio financeiro. Mais uma vez em silêncio curvei minha fronte. Não senti na fala dos outros tanta acusação aos meus atos que foram explicitados. O próprio menor que estava presente, cujo pai também foi obrigado a deixar o lar, e que sentiu na pele o efeito de agressões verbais e físicas, o que nunca fiz, não colocou palavras acusatórias tão fortes contra o seu pai quanto as que ouvi contra mim.
Terminamos a reunião com uma hora de duração. Acredito que fomos bem assessorados pela espiritualidade. Acredito que me portei bem frente aos meus irmãos e frente ao nosso Pai.