Jesus, durante a última ceia com os apóstolos, sacramenta o símbolo que oficializa a relação com a espiritualidade quando fala que o pão é a Sua carne e o vinho o Seu sangue.
Da Vinci escolheu esse momento como o cenário ideal para codificar seus conhecimentos simbólicos na pintura “A Santa Ceia”, o momento em que Cristo faz para todos a revelação – quase pagã – de que identifica seu corpo com o pão e o sangue com o vinho. O pão para o cristão tem o sentido de sacrifício, sacro-ofício, comer o pão se torna um ofício sagrado. Ou seja, reconhece-se o que há de espiritualidade no trigo em Sua mão. O sacro-ofício é isso, transformar o ato prosaico em um ritual de comunicação com o divino. Ao mesmo tempo, beber o vinho ganha o sentido da remissão e lavagem de pecados. O sangue simboliza aquele que passa por todos os órgãos. Se olharmos os doze signos como as diferentes partes do corpo humano – como faz a astrologia tradicional -, o sangue é aquele que percorre e alimenta indiscriminadamente e por igual os diferentes órgãos, distribui-se igualitariamente.
Cristo coloca o símbolo à disposição dos discípulos como um caminho para a realização espiritual, um vínculo que possibilite a “salvação”. Em João 6:54, Cristo fala: “Aquele que como e a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o levarei até o último dia.” Ele mostra para todos que acham que viver no corpo é estar preso ao corpo, que lidar com o sentido simbólico no relacionamento com o material é uma maneira de escapar das limitações deste universo material.
Ao apresentar a sacramentação de um ofício cotidiano simples como ritual de religação ao sagrado, Ele cria a possibilidade de uma missa pessoal. Judas Iscariotes entregou o corpo físico do Cristo para os romanos, e Jesus está entregando seu corpo e sangue espiritual aos apóstolos, discípulos e crentes. A partir desse dia Ele não estará mais presente e disponível no corpo, mas em qualquer cálice ou em qualquer pão para quem quiser vê-lo com sinceridade. Sua energia não estará mais limitada, mas dispersa por toda a existência e disponível a qualquer um no ritual diário do pão e do vinho. Deixou de ser privilégio de poucos discípulos escolhidos, mas de quem tiver sensibilidade. A Era de Peixes, a Era do Cristo, está sintonizada com o contato incorpóreo com a espiritualidade, dependendo totalmente da espiritualidade para esse contato.
O sangue e o vinho são dois símbolos do signo de Peixes, a Era que o Cristo veio inaugurar; e o pão e o trigo são símbolos de Virgem, o signo da Terra, da Natureza, dos druidas, das bruxas, o signo que tendia a ser esquecido nessa Era. Cristo nesse momento atenta para a importância da complementaridade entre os opostos.
No trabalho da pintura de “A Santa Ceia”, Da Vinci deixou um espaço entre os apóstolos e o Cristo, um vazio que tem que ser atravessado para se chegar à unidade que o Cristo representa. Qualquer que seja o apóstolo, qualquer que sejam suas particularidades, ele tem que atravessar o vazio para chegar ao centro, ao eixo, ao eixo do universo. É a manifestação última, é a consciência do vácuo a ser percorrido até o divino.
Talvez sem perceber, ou talvez esta seja mais uma forma de representar o conhecimento do que hoje a mecânica quântica nos mostra, quando informa que o elétron tem que passar pelo desconhecido de vazio para saltar de uma camada para outra, para chegar ao centro divino que está tão longe da materialização, mesmo que seja de um simples elétron.
São esses universos diferentes, material e espiritual, que estamos cada vez mais sendo capazes de introjetá-los em nossa consciência.