Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
26/07/2015 23h36
DIA DOS AVÓS

            Hoje, dia dos santos Santa Ana e São Joaquim, também é considerado dia dos avós, por eles serem os pais de Maria e avós de Jesus. Fiz uma reunião com os parentes ontem e cada um colocou sua opinião sobre a relação com os avós ou também a sua condição de avô ou avó para quem já tenha atingido essa situação.

            Observei que os comentários feitos sobre a minha avó materna, aquela que me criou e educou, foram indiferentes ou negativos. Quando todos fizeram suas observações, fiz uma reflexão sobre essa avó específica.

            Disse que todos nós que estamos encarnados na Terra sempre desempenhamos algum papel na vida das pessoas que estão ao nosso redor. Essa avó que me criou teve um papel fundamental em minha vida, que refletiu na vida de todos que se relacionam comigo na atualidade. Ela era uma pessoa rígida, agressiva, tinha dificuldade de expressar o amor, se preocupava excessivamente com a sobrevivência, morava e trabalhava em ambiente hostil, com muita bebida, violência e prostituição. Foi dentro desse ambiente que ela me criou e colocou em boas escolas, além de ter exigido com disciplina militar que eu trabalhasse nos afazeres domésticos, mesmo sendo trabalhos de natureza feminina, e que também colaborasse nos trabalhos comerciais de natureza masculina, mesmo com pouca idade. Dentro de tudo isso ela exigia que eu não me misturasse com as outras crianças que eram criadas e educadas nesse ambiente, para que eu não me perdesse com drogas, prostituição ou vadiagem. Chegava a me espancar com cordas que guardava com esse objetivo para que meus desejos de criança não prevalecessem sobre as necessidades do trabalho ou do estudo. Assim a minha vida de criança e adolescência foi transcorrida dentro desses limites rígidos que me obrigavam a ser uma criança isolada e tímida. O meu mundo era permeado pelos livros da escola e pelas revistas em quadrinhos das quais me tornei um grande fã. Trabalhava a noite e nos vesperais dos domingos com um carrinho de balas na frente do cinema, e de forma indireta, pois apenas via os cartazes, também me tornei um grande fã dos filmes. Durante o dia eu arrumava e varria a casa, ou trabalhava entregando água das cisternas às casas de quem me contratava, levando duas latas de 20 litros nos ombros. No pouco tempo que me restava, por ser sozinho, não conviver com meus irmãos, eu brincava sozinho com tampas de garrafas construindo castelos e condições onde o bem que eu sempre personificava, geralmente ganhava do mal, como eu lia nas revistas em quadrinhos. Tinha meus sonhos de adolescências, até garotas que eu simpatizava e chegava até a amar, desejando tanto namorar, mas o medo que fora introjetado dentro de mim impedia qualquer ação minha nesse sentido.

            Esse foi o universo da minha infância/adolescência, tão cheio de trabalho e com tão pouco amor, que formou minha personalidade e cristalizou minhas intenções em direção ao bem e ao crescimento pessoal com sentimento de solidariedade ao próximo, de correção das injustiças que eu pudesse fazer. Quem capitaneava todo esse processo era a minha avó, mesmo sem nenhuma instrução, pois era uma pessoa rude, marcada pelo medo de não conseguir sobreviver na condição de mulher pobre, preta e analfabeta. Ela não conseguia expressar o amor, como a minha mãe sabia, pois talvez ela nunca tivesse tido a chance de aprender sobre isso. Ela pagou um preço altíssimo com relação a isso, pois eu, a criança que ela tanto investiu para eu ser “alguém” na vida, também não aprendeu a expressar o seu amor, principalmente com ela, a quem eu via mais como um comandante militar do que uma mãe, ou mesmo avó que na realidade ela era.  

            Foi assim que eu consegui ser “alguém” na vida, até mais do que ela esperava, mas, mesmo tendo o meu reconhecimento e sempre procurando lhe ajudar e ficar na sua companhia enquanto fosse possível, jamais fui capaz de lhe dar o amor com expressividade como eu chegava a fazer algumas vezes com minha mãe. Mas foi assim que eu consegui as condições de ajudar todos os meus parentes, e por isso eu tenho, por direito e por justiça, de resgatar esse trabalho que ela fez de proteção aos riscos que eu corria durante os meus primeiros momentos de formação, mesmo que de forma tão politicamente incorreta. Mas quem sou eu para a condenar? Que não sei a dimensão do seu sofrimento e da capacidade de sobrevivência? Sei apenas que devo destacar na sua vida as qualidades que ela tinha e que por isso me protegeu e fez-me chegar aonde estou. Por isso eu queria partilhar com todos, essa necessidade de reverenciar neste dia a esta avó, que de forma direta ou indireta todos nós tanto devemos.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 26/07/2015 às 23h36