A ideia do caminho das pedras sempre nos evoca o local onde podemos caminhar com segurança para não cairmos em nenhum tipo de abismo, de lodaçal. Mas pode existir outra versão desse caminho, como algo inseguro, cheio de perigos. Foi assim que observei com as pedras que estão no caminho entre a Praia do Meio e a Praia do Forte, no trajeto que faço para ir à hidroginástica.
Na última quinta feira, dia da hidroginástica, levantei da cama no horário previsto, coloquei o meu calção de banho e desci do apartamento para a praia. Durante a caminhada notei que a maré já estava um pouco alta e tem um setor, com pedras, que a maré bate no paredão construído para proteger o calçadão da força das ondas. Vi que durante o fluxo e refluxo das águas, as pedras ficavam momentaneamente cobertas de água para logo em seguida ficarem a descoberto e mostrarem por onde devíamos pisar, pois sobre elas seria inconveniente e arriscado sofrer uma queda com sérios machucões. Eu poderia muito bem sair da areia e subir no calçadão, como sempre faço, para evitar esse risco. Mas neste dia eu decidi ir pela areia e enfrentar o caminho das pedras. Imaginei que isso poderia servir de lição para mim, pois não estou sempre na vida encontrando obstáculos dos quais eu deverei ter a sabedoria e prudência de evitar? Pensando assim continuei o meu trajeto pela areia.
Ao chegar à área das pedras, observei que as pessoas que caminhavam pela areia ou davam meia volta e seguiam no retorno, ou subiam no calçadão e evitavam o trajeto perigoso. Mas eu queria justamente isso, me defrontar com o perigo, mesmo sabendo que eu estaria no comando, pois bastaria esperar o refluxo das ondas para eu continuar, vendo por onde deveria pisar.
No começo tudo seguia como eu havia imaginado. Quando as ondas chegavam e cobriam as pedras, eu esperava que elas refluíssem e eu conseguisse ver novamente onde deveria pisar. Havia momentos que as ondas chegavam tão forte que molhava minha camisa e empurrava o meu corpo. Eu tinha que me firmar no chão, pois se vacilasse naquela altura, se perdesse o equilíbrio, muito provavelmente eu teria que pisar sobre as pedras ou mesmo cair sobre elas. Essa foi a primeira lição que ficou. Quando continuei no caminho eu não imaginava essa possibilidade de ser empurrado pelas ondas, perder o equilíbrio e cair. Agora que eu já estava dentro da jornada perigosa é que veio à mente essa possibilidade. Bem que eu poderia desistir, fazer meia volta e seguir por cima do calçadão. Mas avaliei também que esse risco extra que eu estava submetido agora poderia ser incluído nesse tipo de aula que eu decidi obter. Teria que prever a força de determinada onda e me firmar com mais força onde me encontrasse para não perder o equilíbrio.
Com essa nova preocupação na mente segui adiante. Pouco mais na frente observei um local mais profundo onde o refluxo das águas não conseguia deixar a descoberto as pedras, onde eu poderia firmar meus pés na areia. Eu teria que tatear com os pés para sentir onde existia areia nivelada que eu pudesse colocar os pés. Quando existia uma pedra próxima, aprendi que a onda fazia uma espécie de escavação ao redor que eu poderia sentir com os pés. Eu teria que ficar bem atendo ao tatear com os pés a areia, pois nesse momento eu estaria apoiado apenas num pé e não poderia sofrer empurrão das ondas senão cairia. E cair ali seria cair fatalmente sobre as pedras. Machucões com certeza.
Este era um risco bem maior e que eu não tinha tanto controle sobre ele quanto tinha sobre os outros. Seria outro momento de desistência, poderia ter me afastado desse risco e voltar ao caminho do calçadão. Mas imaginei que mais uma vez isso deveria fazer parte do aprendizado. Afinal de contas, o meu trabalho na comunidade de Praia do Meio, na Associação e Projeto que tenta ajudar as pessoas envolvidas com drogas e criminalidade, não são comparadas com pedras que trazem riscos que muitas vezes não consigo observar com clareza? Mesmo usando a prudência e serenidade, eu não estou sujeito a movimentos comportamentais que possam me machucar ou a quem caminha ao meu lado? Por esse motivo eu teria que deixar de lado essa caminhada e voltar para os caminhos seguros? Não! Deus não quer que deixemos de fazer a Sua vontade porque existem riscos pelo caminho. Ele nos protegerá nos limites do que seja positivo, tanto para mim quanto para os agressores, afinal todos somos os seus filhos.
Portanto, pedi a proteção de Deus e decidi enfrentar esse perigo, sem tanto controle da minha parte. Se não fosse o aspecto de lição que eu queria obter fazendo isso, com certeza, meu lado prudente já teria feito eu ir pelo caminho do calçadão.
Chegou um momento que eu estava tateando com o pé por tempo demasiado e não encontrava onde apoiar o pé. Vi que estava chegando uma onda forte e que eu devia estar com os dois pés apoiados senão iria cair e aí seria pior. Então me vi obrigado a tentar me apoiar sobre a pedra esperando que a “sorte” fizesse com que o meu pé não se machucasse e que eu encontrasse um local para apoiar o pé logo em seguida. Senti que machuquei o pé que coloquei sobre a pedra, mas tive a sorte de encontrar apoio na areia para o outro pé. Consegui suportar o impacto da onda que chegou com muita força e barulho, sem cair. Terminei superando esse obstáculo perigoso com o pé dolorido, mas felizmente não ferido.
Finalmente superei esse caminho das pedras e pude refletir sobre a lição que ficou. Claro, na minha vida material não poderei me expor dessa forma aos perigos. Não poderei ir à uma boca de fumo e tentar fazer a evangelização dessas pessoas de forma direta. O risco é muito grande e eu não terei nenhuma segurança do que possa acontecer. É como aquele momento que eu apoiei o pé sobre a pedra e tive a sorte de apoiar o outro pé na areia e não cair. Nada garante que eu encontre algum apoio numa boca de fumo e evite sério machucado.
Por outro lado, não poderei deixar de fazer o trabalho na comunidade da Praia do Meio, mesmo que eu esteja próximo dessas pedras que podem me machucar. Devo ter a inteligência de aproveitar o “refluxo das águas” para observar onde colocar o próximo passo. Se eu observar uma área em que não tenho o controle, essa lição do caminho das pedras me ensina que devo voltar, não devo me arriscar onde eu não tenha um mínimo controle. Não posso deixar tudo sob a responsabilidade da providência divina.