Francisco de Assis era muito rigoroso com os desejos da carne, principalmente com o sensualismo, a concupiscência. São Boaventura, no texto da Legenda Maior de São Francisco, escrito nas Fontes Franciscanas e Clarianas, diz o seguinte no capítulo V – A austeridade de vida; e como as criaturas lhe davam conforto:
- Portanto, quando o homem de Deus percebeu que a seu exemplo muitos se animavam com espírito fervoroso a carregar a cruz de Cristo, a chegar à palma da vitória pelo cume de invicta virtude. Atendendo, pois, àquela palavra do Apóstolo: os que são de Cristo crucificaram sua carne com os vícios e concupiscências (Gl 5,24), para trazer a armadura da cruz em seu corpo, freava com tanta rigidez de disciplina os apetites dos sentidos que mal comia as coisas necessárias ao sustento da natureza. De fato, dizia que era difícil satisfazer a necessidade do corpo e não ceder a inclinação dos sentidos. Por causa disto, no tempo da saúde, mal e raramente admitia alimentos cosidos e, quando os admitia, ou lhes ajuntava cinza ou tornava insípido o sabor do condimento pela mistura de água. Que direi a respeito de beber vinho, quando até água, quando se queimava com o ardor da sede, mal bebia à saciedade? Inventava meios de abstinência mais rígida e a cada dia crescia no exercício dela; embora já atingisse o ápice da perfeição, como quem está sempre iniciando, inovava alguma coisa para punir a concupiscência da carne com tormentos. – Ao sair, por causa da palavra do Evangelho, conformava-se aos que o acolhiam na qualidade dos alimentos; quando, porém, retornava a casa, observava rigorosamente a sobriedade da abstinência. E assim, tornando-se austero consigo mesmo, humano para com o próximo, submisso em tudo ao Evangelho de Cristo, não só abstendo-se, mas também comendo, oferecia o exemplo de edificação. – A terra nua era o leito para seu corpo cansado, e muitas vezes dormia sentado, colocando à cabeça um pedaço de madeira ou pedra; contente com uma túnica pequena e pobre, servia ao Senhor na nudez e no frio (2Cor 11,27).
- Interrogado uma vez como podia com veste tão fina proteger-se do rigor do frio do inverno, respondeu no fervor do espírito: “Se fôssemos tocados interiormente no desejo pela chama da pátria do alto, suportaríamos facilmente este frio exterior”. Detestava a moleza da veste, amava a aspereza, afirmando que por causa disto João Batista foi louvado pela palavra divina. Se por acaso sentia maciez numa túnica dada a ele, tecia-a interiormente com cordinhas, porque dizia que a moleza das vestes, segundo a palavra da Verdade, deve ser procurada não nas cabanas dos pobres, mas nos palácios dos príncipes. Aprendera por experiência própria que os demônios temem a aspereza, mas se animam a tentar mais fortemente com as coisas deliciosas e macias. – Donde, numa noite, como tivesse um travesseiro de penas colocado à cabeça por causa da enfermidade da cabeça e dos olhos, fora do seu habitual costume, o demônio entrou naquele travesseiro, perturbou-o e inquietou-o até à hora das Matinas, afastando-o de muitos modos do empenho da santa oração, até que ele, chamando um companheiro, mandou que o travesseiro fosse levado com os demônios para fora da cela. E, saindo o irmão com o travesseiro da cela, perdeu as forças e o movimento de todos os membros, até que, à voz do santo pai que em espírito sabia o que acontecia, lhe foi restituído plenamente o primitivo vigor do coração e do corpo.
Eis como pensava Francisco em relação aos desejos e necessidades do corpo. Tinha o corpo como inimigo. Tenho um pensamento diferente, apesar de sentir que os desejos do corpo devem ser controlados para evitar o exagero. Sofro isso com relação à alimentação, sempre estou exagerando pela quantidade em obediência aos desejos da carne. Mas, por outro lado, eu considero o corpo como um bem precioso que o Pai colocou sob minha responsabilidade e não posso tortura-lo por ele expressar seus desejos e querer controlar os interesses do espírito. Tenho que aprender a controla-lo sem tortura-lo, e talvez essa seja uma tarefa bem mais difícil.
Publicado por Sióstio de Lapa
em 09/09/2015 às 23h59