No programa “Truques para o dia a dia”, transmitido pela Netflix (TED – Ideas Worth spreading), Margaret Heffernan revela que conflitos não devem ser evitados e que a melhor saída é transformar discordâncias em debates produtivos. Achei interessante sua abordagem do problema, principalmente quando ela cita, sem querer, acredito, um trecho evangélico sobre a importância da Verdade na Liberdade e que pode ser incorporada à minha forma de pensar e agir... ou não agir. Então resolvi colocar a sua fala na íntegra, neste texto de hoje.
Em Oxford, na década de 50, havia uma médica fantástica, muito notável, chamada Alice Stewart. E Alice era notável em parte porque, claro, era mulher, o que era muito raro nos anos 50. E era brilhante, na época era uma das colegas mais jovens a ser escolhida para a Faculdade Real dos Médicos. Ela também era notável porque continuou a trabalhar depois de ter se casado, depois de ter filhos, e até mesmo depois de ter se divorciado e ser mãe solteira. E era notável porque se interessava muito por uma ciência nova, o campo emergente da epidemiologia, o estudo de padrões na doença. Mas como todo cientista, ela reconhecia que para deixar sua marca, o que precisava fazer era encontrar um problema difícil e resolvê-lo. O problema difícil que Alice escolheu foi a incidência crescente de câncer infantil. Muitas doenças tem relação com a pobreza, mas no caso do câncer infantil, as crianças que estavam morrendo pareciam proceder principalmente de famílias ricas. Então o que ela queria saber, como poderia explicar essa anomalia. Por fim ela conseguiu apenas 1.000 libras do prêmio Memorial e isso significava que ela sabia que tinha apenas uma tentativa, mas ela não tinha ideia do que procurar. Isto era, na verdade, como procurar agulha num palheiro, então ela perguntava tudo o que podia imaginar. Tinham consumido bebidas com corantes? Comiam peixes com batatas fritas? Elas tinham saneamento básico? Em que época tinham começado a ir a escola?
E quando seus questionários com cópia em carbono começaram a voltar, uma coisa e uma só coisa saltava a vista com uma clareza estatística que muitos cientistas podem apenas sonhar. Numa relação de dois para um, as crianças que morreram, tiveram mães submetidas a raios-x enquanto grávidas. Mas essa descoberta afetou a sabedoria convencional daquela época, de que tudo era seguro até certo ponto, um limite. Isso afetou a sabedoria convencional, que tinha grande entusiasmo pela nova e perfeita tecnologia daquela época, que era o aparelho de raios-x. E afetou a ideia que os médicos tinham de si mesmos, que era a de pessoas que ajudavam pacientes e não os causavam nenhum mal.
Contudo, Alice Steward correu para publicar suas descobertas preliminares no The Lancet em 1956. As pessoas ficaram muito entusiasmadas, havia rumores sobre o Prêmio Nobel e Alice estava mesmo com muita pressa de tentar estudar todos os casos de câncer infantil que ela podia encontrar antes que eles desaparecessem. Na verdade, ela não precisava ter corrido, 25 anos inteiros se passaram até que as autoridades britânicas, e americanas, abandonassem a prática de submeter mulheres grávidas ao raios-x. Os dados estavam lá, estavam abertos, foram disponibilizados livremente, mas ninguém queria saber. Uma criança por semana estava morrendo, mas nada mudava. A abertura por si só não leva à mudança. Assim, por 25 anos Alice Stewart teve uma luta muito grande em suas mãos. E como ela sabia que estava certa? Bem, ela tinha um modelo fantástico para reflexão.
Ela trabalhava com um estatístico chamado George Kneale, e George era tudo que Alice não era. Alice era muito sociável, e George era um solitário. Alice era muito calorosa, muito empática com seus pacientes, George preferia sinceramente números em vez de pessoas. Mas ele disse uma coisa fantástica sobre sua relação profissional. Ele disse, “Meu trabalho é provar que Dra. Stewart está errada.” Ele procurava essa negação de forma efetiva. Formas diferentes de olhar para os modelos dela, sua estatística, forma diferente de desmembrar os dados a fim de provar o seu erro. Provar que ela estava errada. Ele via seu trabalho como a criação de conflitos em torno das teorias dela. Porque era só não sendo capaz de provar que ela estava errada é que George podia dar a Alice a confiança que ela precisava. É um fantástico modelo de colaboração, parceiros pensantes que não são câmaras de eco. Imagino quantos de nós temos, ou ousamos ter, tais colaboradores.
Alice e George eram muito bons nos conflitos. Eles a viam como uma reflexão. Então o que esse tipo de conflito construtivo precisa? Bem, em primeiro lugar, ele precisa que encontremos pessoas que são muito diferente de nós mesmos. Isso significa que temos que resistir à força neurobiológica, que significa que temos preferência principalmente por pessoas iguais a nós mesmos, e isso significa que temos que procurar pessoas com conhecimentos diferentes, disciplinas diferentes, e encontrar maneiras de unir-se a elas. Isso exige muita paciência e muita energia. E quanto mais eu penso nisso, mais eu acho, realmente, que isso é um tipo de amor. Porque você não vai simplesmente disponibilizar esse tipo de energia e tempo se você realmente não se importa. E isso também significa que temos que estar preparados para mudar de ideia. A filha de Alice me contou que toda vez que Alice ficava frente a frente com um colega cientista, ele a fazia pensar e pensar e pensar outra vez. “Minha mãe”, ela disse, “Minha mãe não gostava de uma briga, mas era muito boa nisso”.
Então, uma coisa é fazer isso numa relação um-a-um. Mas me ocorre que os maiores problemas que enfrentamos, muitos dos maiores desastres que enfrentamos, muitos deles capazes de afetar centenas de vidas, não surgem principalmente de indivíduos, eles surgem de organizações, muitas delas capazes de afetar centenas, milhares, até mesmo milhões de vidas. Então, como as organizações pensam? Bem, na maior parte das vezes, não o fazem. E isso não é porque não querem, é porque não podem mesmo. E não podem porque as pessoas dentro delas tem medo demais de conflitos. Em pesquisas com executivos europeus e americanos, 85% deles admitiam que tinham questões ou preocupações no trabalho, que tinham medo de levantar. Medo do conflito que aquilo poderia provocar, medo de enveredar por discussões com as quais não sabia como administrar, e sentiam que estavam certos de perder.
Oitenta e cinco por cento é um número grande mesmo. Significa que as organizações principalmente não podem fazer o que George e Alice fizeram de modo triunfante. Elas não podem pensar juntas. E isso significa que as pessoas como muitos de nós, que dirigem organizações e saíram do caminho para tentar achar as melhores pessoas que podem, falham principalmente em conseguiu o seu melhor.
Então, como desenvolvemos as habilidades que precisamos? Porque também é preciso habilidade e prática. Se não iremos ter medo do conflito, temos que vê-lo como uma reflexão, e então temos que ser muito bons nisso.
Assim, recentemente eu trabalhei com um executivo chamado Joe, e Joe trabalhava para uma empresa de equipamentos médicos. Joe estava muito preocupado com o aparelho com o qual estava trabalhando. Ele achava que esse aparelho era complicado demais e achava que sua complexidade criava margens de erro que podia machucar as pessoas. Ele tinha medo de prejudicar os pacientes que tentava ajudar. Mas, quando ele olhou em torno de sua organização, ninguém mais parecia preocupado. Então, ele não quis falar nada. Afinal, talvez eles soubessem de algo que ele não sabia. Talvez ele parecesse tolo, mas ele continuou se preocupando com aquilo, de pensar que a única coisa que poderia fazer era demais, deixar o emprego que amava. No final, Joe e eu achamos uma maneira de ele levantar suas questões. E o que aconteceu depois é o que quase sempre acontece nessa situação. Acabou que todos tinham exatamente as mesmas questões e dúvidas. Então, Joe tinha aliados. Eles podiam pensar juntos. E sim, havia muito conflito e debate, e discussão, mas isso permitia com que todos em volta da mesa fossem criativos, resolvessem o problema e modificassem o aparelho. Joe era o que muitos podiam imaginar ser, um informante, exceto que, como quase todos os informantes, ele não era excêntrico de forma nenhuma, ele era apaixonadamente devotado à organização a que servia, mas ele tinha tanto medo do conflito que no final passou a ter mais medo do silêncio. E quando ousou falar descobriu que havia muito mais dentro de sim mesmo e muito mais para dar ao sistema do que ele jamais imaginara. E seus colegas não acham que ele é excêntrico. Eles acham que ele é um líder. Assim, como termos essas conversas mais facilmente e mais frequentemente? Bem, a Universidade de Delft exige que seus doutorandos tenham que apresentar cinco declarações que estejam preparados para contestar. Não importa sobre o que são as declarações, o que importa é que os candidatos estejam querendo e sejam capazes de afrontar a autoridade. Acho que é um sistema fantástico, mas, deixa-lo somente para os candidatos, são muito poucas pessoas e tarde demais na vida. Acho que precisamos ensinar essas habilidades para crianças e adultos em todos os momentos de suas vidas se quisermos ter organizações pensantes. O fato é que a maioria das grandes catástrofes que temos testemunhado, raramente vem de informação secreta ou oculta. Vem de informação que é disponibilizada livremente por aí afora, mas que evitamos encarar o conflito que isso causa. Mas quando ousamos quebrar esse silêncio, ou quando ousamos enxergar, e criamos conflito, possibilitamos a nós e às pessoas à nossa volta fazer nossas maiores reflexões. A informação aberta é ótima, redes abertas são essenciais.
Mas a verdade não nos libertará até que tenhamos desenvolvido as habilidades e o hábito e o talento e a coragem moral para usá-la. A abertura não é o fim. É o começo!
Esta abordagem de tais assuntos traz uma importante reflexão sobre o nosso grau de conhecimentos e a utilidade que isso tem para a comunidade. Lembro do caso AUTOHEMOTERAPIA, uma técnica bastante conhecida, difundida e proibida no Brasil, apesar dos seus usuários serem bastante enfáticos nos seus benefícios. Mas os “cientistas” não querem observar a voz que emerge das comunidades, dos pacientes necessitados, que sabem ou não dos benefícios da técnica. Um assunto tão importante para a saúde pública parece não despertar nenhum interesse, principalmente na academia, que é financiada pelo dinheiro público e ao público devia ter o maior respeito com suas opiniões, dores e sofrimento, principalmente as agências responsáveis pelo seu bem-estar. No entanto, parece que todos preferem obedecer a falta de trabalhos escritos que apontem benefícios e ausência de riscos, e não ouvir a voz de milhares de pessoas, que se devida e estatisticamente organizados dariam as respostas que são procuradas.
No campo espiritual o comprometimento pode ainda ser maior, pois enquadra todos aqueles que de alguma forma sabem da Verdade e não a defendem por qualquer tipo de medo, financeiro, administrativo ou moral. Para essas pessoas a Verdade não vai ter a importância que o Cristo ressaltou, de trazer liberdade. As pessoas que agem assim, mesmo de posse da Verdade, continuam escravos em seus labirintos de medo.