Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
07/01/2016 00h59
PANG

            Ao ler o primeiro capítulo do livro “Beauvoir apaixonada”, escrito por Irène Frain, que faz um relato da famosa escritora/filósofa como se esta própria estivesse escrevendo em primeira pessoa, encontrei argumentos que tocam à minha consciência e princípios existenciais, para usar a mesma linha de pensamento que ela adotou do seu companheiro, Jean-Paul Sartre. 

            Quando conheci o pensamento desse casal de filósofos, a maneira de conduzir um relacionamento aberto à outras experiências afetivo/sexuais, senti uma forte identificação com o sistema de crença que eles desenvolveram: o existencialismo. Também as pessoas que conhecem a minha forma de pensar dentro da intimidade, também faziam sem dificuldade essa correlação. No entanto, ao estudar com mais profundidade, não a escola filosófica, mas o comportamento pessoal de ambos, principalmente o de Sartre, verifico que a forma pode ser muito parecida, mas o conteúdo é muito diferente. Por esse motivo fiquei interessado a fazer reflexões sobre o comportamento dele comparado com o meu, pois acredito que eu esteja sendo acusado dos erros éticos que ele cometeu os quais eu acredito que não se aplicam a mim.

            Talvez seja difícil fazer uma avaliação do pensamento e comportamento de Sartre quando o relato é de sua companheira, Simone. Mesmo assim, aproveito o sentimento que ela expressa, através do trabalho minucioso de Irène Frain, pois, mesmo não sendo o ideal, serve como uma primeira linha de demarcação de pensamentos e ações.

            Começo pelo sentimento de Simone a sofrer o comportamento de Sartre, na sua relação com as mulheres, principalmente com aquela que ele está apaixonado, Dolores, como um soco no coração: Pang!

            Acredito que esse efeito que Sartre provoca em sua companheira na relação com outras mulheres eu também tenha causado, nesse ponto talvez tenhamos cometido o mesmo “erro”, causar dor na pessoa ao lado, na nossa companheira. Mas isso se deve mais a um “status quo” da natureza feminina, pois existia também com Sartre e Simone um pacto/contrato que essa possibilidade de terceiros na relação poder existir, tanto para um como para o outro, sem comprometer a convivência “ad eternum” dos dois enquanto a biologia permitisse. Esse acerto feito há dezoito anos, de Sartre a tê-la como “estrela fixa, independente do que aconteça”, era a sua boia salva-vidas durante a percepção que ela tinha da paixão do seu companheiro por outra pessoa.

            Por esse motivo Simone relata a sucessão de Pangs, quando percebe que Dolores é a nova estrela na vida de Sartre. É para ela que tudo se volta, suas palavras, seus pensamentos, seus devaneios, suas dedicatórias... São essas atitudes de Sartre que geram os pensamentos de Simone e que lhe causam a saraivada de pangs.  

            Incomodada com essa situação, ao perceber o aspecto sombrio de Sartre e o silêncio pesado entre eles, que ela chega a fazer a indagação: “Honestamente, quem você preza mais: Dolores ou eu?” E ele responde de imediato: “Eu prezo muito Dolores, mas é com você que estou”.

            Simone entendeu essa réplica como a resposta de um macho banal que quer ao mesmo tempo a esposa e a amante. Mas o que mais provocou o novo e repetido pang em seu coração, foi o tom no qual foi dito, a mesma entonação metálica que usava com suas jovens conquistas quando havia decidido delas se distanciar.

            É neste ponto que faço uma reflexão mais profunda. Por acaso Simone não sabia que esse seria o comportamento de Sartre, elaborado por ele e aceito por ela? Ela não imaginava que iria sofrer esses pangs no decorrer de sua vida de relacionamento com ele? Se isso for verdade, que ela não pensava que esse sofrimento iria acontecer, então ela deve reconhecer o erro de perspectiva dela e se não quiser sofrer mais esses pangs, então reformular o contrato ou simplesmente romper. Acredito que Sartre aceitaria ambas propostas, pois o motivo seria justo, evitar tanto sofrimento numa pessoa que ele tanto preza.

            Enfim, o sofrimento de Simone se mantém porque ela persiste em continuar num relacionamento que a faz sentir assim e que não tem perspectivas de melhorar na direção do que ela deseja, pelo contrário, na direção de um rompimento, que talvez provoque um pang maior... mas, somente a ela cabe essas considerações e decisões.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 07/01/2016 às 00h59