Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
07/01/2016 20h29
AVALIAÇÃO DE CONTRATOS

            Ainda fazendo comparação com Jean-Paul Sartre, entre os meus pensamentos e ações e os dele, no tipo de contrato que fizemos com nossas companheiras, mesmo correndo o risco de errar, mas raciocinando sobre o que Simone de Beauvoir escreveu sobre ele, faço a seguinte reflexão.

            Sartre montou um contrato com sua companheira para poder obter da vida o máximo prazer e satisfação que sua existência pudesse lhe oferecer, sem nenhum empecilho de qualquer natureza, principalmente os de natureza exclusivista afetivo-sexual. Acredito que, sendo ele uma pessoa honesta, uma pessoa de bem, deveria respeitar apenas os limites éticos de não prejudicar ninguém que se envolvesse com ele. Olhando assim à distância, os inúmeros relacionamentos que ele teve com diversas mulheres, muitas bastante jovens, alunas dele, parece isso algo exagerado, que implicava em algum tipo de prejuízo para as mentes ainda não bem amadurecidas que ficavam ofuscadas com o brilho do seu saber. Posso estar errado e Sartre está rigorosamente dentro da ética, de não prejudicar nenhuma delas, pelo contrário, até ajudar no seu amadurecimento enquanto pessoa humana, moça/mulher cheia de hormônios e de necessidade de autoafirmação. O que posso avaliar com mais segurança é o comportamento de Simone, o prejuízo ou benefício que ela sofreu dessa relação.

            Simone mergulhada em seus medos faz sempre as considerações do comportamento do companheiro, de sempre estar olhando com apetite para outras mulheres, apesar de falar pra ela que eram almas gêmeas, que ambos tinham um sinal na testa que apenas podia ver um e outro. Ela lembrava que ele prometera aliança eterna, mas veio com a história de um novo pacto: “Você e eu vamos fazer um acordo de dois anos, renovável...” Ora, se existe abertura para quebrar a aliança eterna com um acordo de dois anos, então há abertura para quebra total dessa aliança eterna. Ela temia que a sua condição de “amor necessário” enquanto as outras seriam apenas “amores contingentes” pudesse se perder frente às novas motivações surgidas com a força da paixão, como era o caso de Dolores. Ela percebia que o “amor necessário” agora era Dolores, e ela o “amor contingente”. Além de tudo ela não tinha confiança em Sartre. Imaginava que essa história de pacto fosse apenas um truque, um jogo de palavras, uma astúcia para justificar as piores traições. Lembrava que desde o começo Sartre havia mentido, tem disso a maior certeza, pelo menos ele nunca dissera tudo.

            Com esse quadro formado, eu vejo a posição de Sartre totalmente diferente da minha, na filosofia e nos objetivos. Mesmo que no início da abertura do meu relacionamento eu não tivesse tanta certeza do caminho que começava a trilhar como tenho hoje, mas o cuidado ético de não prejudicar o outro fez com que eu não cometesse erros bárbaros. Hoje eu posso lembrar o passado sem grande erros, o presente como uma consequência de minhas ações e posso projetar o futuro com os mesmos paradigmas de quando eles começaram a surgir. A grande diferença hoje é que consigo colocar todos esse comportamento distribuído no tempo, dentro de uma perspectiva espiritual, de fazer a vontade de Deus, enquanto Ser Supremo, criador de tudo, e eu apenas uma minúscula partícula de Sua criação, mas disposto a servir de Seu instrumento dentro do contexto coletivo.

            Por esse motivo não posso prejudicar ninguém para atender as minhas necessidades biológicas, instintivas, que represento dentro do contexto bíblico como o monstro criado por Deus para proteger a minha existência biológica, o Behemot, mas que deve ser domesticado até para servir ao próximo, na perspectiva do Amor Incondicional.

            Assim, o contrato que propus às minhas companheiras foi também de manter a possibilidade para ambas as partes de inclusão de afetos ou sexo da parte de outras pessoas. A pancada no coração que Simone referiu sentir ao perceber a paixão do seu companheiro por outra pessoa, eu também estava exposto a essa mesma condição. Também eu sentia assim como Sartre, e sinto até hoje, a necessidade de ter um “amor necessário”, uma espécie de “matriz afetiva”, uma companheira que sinta-se carne da minha carne, que sinta prazer com o prazer que eu sinto por amar, me apaixonar ou transar com outra pessoa. Isso eu também não consegui, e percebo que todas minhas companheiras sentem a mesma pontada no coração sentida por Simone. A mesma reação de acusar a “outra” como uma megera, como a maldita, no dizer de Simone. Acompanhada dessa reação tão negativa sobre a “outra” ainda acontece de todos os aspectos negativos que eu ainda possuo, serem ressaltados, assim como aconteceu com Sartre.

            Um aspecto que diferencia bastante o meu contrato do contrato de Sartre, é que minhas diversas relações afetivas devem sempre estar revestida de um tipo de amor mais profundo, uma maior aproximação ou sintonia afetivo/sexual, mesmo que não exista a paixão. E como o amor nunca morre, essas pessoas que um dia foram carne da minha carne nunca morrerão para mim. Por mais distante que estejam, por mais dificuldades emocionais que apresentem, eu sempre estarei com o coração aberto, sem guardar dentro dele nenhum tipo de ressentimento.

            Essa compreensão que tenho justifica o Amor Incondicional ensinado por Jesus e necessário para a construção da família universal, onde a inclusão afetiva ou sexual seja permitida, desde que não se mostre incompatível com a bússola que o Mestre nos legou: “fazer ao próximo o que desejo para mim; não fazer ao próximo o que não quero para mim”.

            Sei que essa comparação entre o meu contrato afetivo e o de Sartre, merece uma avaliação mais minuciosa. O que coloquei aqui foi apenas primeiras impressões, e que podem ser modificadas se uma verdade diferente e mais profundamente localizada for descoberta.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 07/01/2016 às 20h29