A cena de um crime que relatei ontem deu-me profundas reflexões quando eu retornava para o apartamento. Primeiro, verifiquei meus sentimentos ao ver o acidente com os carros e logo depois um rapaz correndo furtivamente pela praia. Todos diziam que ele estava fugindo de alguma coisa e chegaram a gritar “pega ladrão”. Eu perguntava intimamente o que eu podia fazer nessa situação, correr atrás do provável criminoso? Gritar também “pega ladrão”? Eram sentimentos íntimos que não deixava extravasar para ninguém que estava ao meu lado. Mesmo porque, se eu me manifestasse contra o acusado e ele estivesse armado, a provável vítima seria eu. Os técnicos de segurança pública adverte que numa situação como essa o cidadão de bem não deve reagir. O meu senso crítico também concordava.
Logo após um policial conduzia um rapaz algemado, com as mesmas características daquele que estava correndo, antes, de forma furtiva. Ele chegava a dizer que não tinha nada a ver com o caso, mas ninguém acreditava, muito menos eu. Fui até próximo e vi de mais perto aquela figura, agora inofensiva. A raiva e o sentimento de justiceiro que eu gerara ia pouco a pouco se afastando de mim. Pensei de outra maneira, e se fosse um filho meu naquela situação? Se fosse um irmão? Então ocorreu um “clic” na minha mente, então eu não o considero como irmão? Eu não defendo que todos nós somos irmãos, já que todos fomos criados pelo mesmo Pai? Agora os meus sentimentos ficaram toldados... a raiva e sentimento de impotência frente ao mal que se realizara, agora era dominado pelo sentimento de compaixão, de que aquele provável criminoso, algemado, sujo e acoitado, também era meu irmão. Não era o irmão biológico pelo qual uma serie de sentimentos automáticos despertam em simpatia, em defesa. Mas era o irmão espiritual quanto a origem em um Pai criador. Também fazia parte da minha família. Família espiritual. Isso falando em tese, pois Jesus falou que a nossa família espiritual é caracterizada por aqueles que acreditam em Deus e fazem a Sua vontade. E aquele rapaz eu não sei se atende esses pré-requisitos.
Senti então que isso era um teste que Deus estava fazendo comigo, para saber qual a direção dos meus pensamentos e convicções e qual seria a natureza do meu comportamento num caso como esse.
Quando cheguei no apartamento, e ao fazer a leitura diária do livro “Um Santo para cada dia”, vi que hoje era o dia de Santo Onézimo. Ele era um escravo fugitivo e também ladrão. São Paulo se declara disposto a pagar pelo escravo, se Filemon fizer questão de receber. Há quem que acabar com a escravidão não foi mérito do cristianismo. Mas isso de chamar de filho e de irmão caríssimo a escravo fugitivo só mesmo no cristianismo.
Então, para mim tudo ficou bem claro. Deus queria saber como eu iria me comportar vendo de tão perto um crime acontecendo com o criminoso algemado logo em seguida. Qual seria a natureza da minha reação, quando passasse o calor emocional dos primeiros instantes. E para confirmar tudo isso, a leitura da vida de um santo que no seu histórico tinha o mesmo crime que aquele rapaz cometera, com as devidas alterações tecnológicas trazidas pela evolução.
Com essa compreensão, fiquei em parte satisfeito, primeiro por ter compreendido o que o Pai me ofereceu, e ter criado intenções de agir como o irmão biológico daquele marginal poderia ter agido. Cheguei a comentar com o pessoal da Associação que trabalha na área de segurança, para eles procurar ver se a família daquele rapaz mora em nossa comunidade. A ideia seria procurar os pais do rapas, ver as condições de existência da família, pedir permissão para ajuda-lo, oferecer a oportunidade de um emprego onde ele poderia todo mês guardar uma quantia para reembolsar os prejuízos que causou a sua vítima. Tudo isso com o aval da justiça que acompanharia de perto se tudo isso estava sendo cumprido.
Fazendo isso, se o rapaz realmente tivesse boas intenções, poderíamos ver uma recuperação de um criminoso, sem traumas para nenhuma das partes, incluindo principalmente a vítima, que estaria sendo respeitada e coberto os seus prejuízos.
Acontece que tudo isso ficou no campo das imaginações, não conseguiu fluir como deveria ser para acontecer o que eu estava prevendo. Nesse ponto a minha nota foi um, pois apenas falei sobre esse propósito e nenhuma outra ação foi realizada para construir esse tipo de recuperação.
Preciso mais tempo e mais empenho para corrigir esses defeitos.