Trabalho em psiquiatria os diversos casos clínicos, mas principalmente a Dependência Química. É uma doença mental que se caracteriza pela negação que o doente apresenta no primeiro momento, de não reconhecer a doença quando diagnosticada. O primeiro trabalho técnico que devemos fazer enquanto terapeuta, é conscientizar o paciente dessa doença a qual ele pé portador, e leva-lo a compreensão da necessidade da abstinência da referida substância.
Mesmo quando consciente da doença e convicto da necessidade da abstinência para sempre da droga, o paciente não tem um resultado positivo muito fácil. É a partir daí, quando o paciente luta pela abstinência da droga e sempre está recaindo, que se observa a fragilidade da vontade frente o desejo. Muitos paciente não resistem a tamanho fracasso, percebem sua vida se deteriorar passo a passo, devido ao uso de uma substância que não querem mais fazer uso, que terminam por levar a cabo o suicídio.
É neste ponto que fico sempre a refletir: quais são os mecanismos cerebrais, neurofisiológicos que sustentam a força desse desejo? Eu não sou dependente de nenhuma substância química, portanto, posso me considerar um leigo frente a essa experiência de recaída que geralmente o dependente sofre. No entanto existe um comportamento que sempre estou realizando, que posso fazer um paralelo com a dependência química. É o ato da alimentação. Mesmo sabendo que o comportamento alimentar é muito distante de uma dependência a uma droga psicoativa, pois essa marcou de forma severa algum aspecto da neuroquímica, e a alimentação, caracterizada por sua diversidade, não tem como “marcar” o cérebro com a mesma intensidade. Mas quando chega um período como a Quaresma, onde eu me proponho a fazer jejum e controle alimentar nesses 40 dias, termino enfrentando a situação parecida com a dependência química.
Logo cedo ao acordar e me pesar, decido que não vou me alimentar durante o dia para recuperar a perda de peso que eu tenho como meta. Sei que sou capaz fisiologicamente de fazer isso, não é doloroso para mim passar um dia de jejum, sem comer qualquer coisa, apenas tomando água. Mas ao passar no restaurante e ficar de frente as diversas opções alimentares, algo na minha mente anula a determinação que eu havia feito pela manhã. Mesmo eu lembrando dessa determinação, pego no prato e começo a colocar o alimento, sem nenhum recurso mental impedir o ato.
Eu sei dessa dificuldade, pois tento fazer isso o ano todo e não tenho muito sucesso. Convivo com um sobrepeso, sabendo que se eu tivesse o controle, se minha vontade fosse superior ao desejo, eu conseguiria esse objetivo.
O período da Quaresma é o momento mais propício para que minha vontade tenha sucesso. Eu associo a minha vontade à força do Espírito. Determino que nesse período o meu Espírito seja quem comande minhas ações corporais, elimine a força do Behemot que exige os prazeres do corpo, que ele deve ser contido.
Nestas duas semanas de Quaresma eu tive um sucesso na primeira semana, mas na segunda semana sofri uma recaída da qual ainda não me recuperei. Hoje eu pensava que iria recuperar o espaço perdido, mas mais uma vez recai frente à alimentação, comparado a uma recaída no uso de drogas.
Então passo a considerar tal “recaída” na alimentação muito parecida com a recaída no uso de drogas. O mesmo processo neural que os dependentes químicos sofrem, eu também devo estar sofrendo. Infelizmente, mesmo dentro do processo, eu não consigo explicar neurofisiologicamente, ou mesmo psicologicamente o que está acontecendo.
Mas continuarei a lutar e a observar...