Ao assistir o documentário na NETFLIX “Mea máxima culpa: Silence in the house...”, que fala dos abusos sexuais a crianças praticados por padres, encontrei o seguinte diálogo proferido por Richard Sipe, que se considera um monge muito piedoso, passou 18 anos como monge beneditino e que fez um trabalho dentro da igreja “The clerical sex therapist”. Ele também era terapeuta aconselhando os padres. O sexo e o celibato se tornaram o centro de sua pesquisa e fez um estudo de 25 anos sobre celibato no sacerdócio. Sua intenção era que isso ajudasse na formação dos sacerdotes. Sentia que podia contribuir sendo honesto sobre isso. Os dados mostravam que em qualquer momento, não mais do que metade dos padres católicos romanos americanos estavam praticando o celibato. Havia certos níveis de experimentação, relacionamentos, envolvimentos e até envolvimentos criminosos com crianças. E quanto mais ele se aprofundava, mais desanimado ficava. Eles sabem que o celibato não é praticado. Por “eles” se refere às autoridades do Vaticano, aos bispos, aos religiosos superiores. E quanto mais alta a posição, mais eles sabem. Você não pode manter seu celibato, mas tudo bem, desde que permaneça em segredo. Sipe descobriu que o clericalismo, colocando um padre em um pedestal, acima dos leigos em comum, ajudou a sustentar o sistema secreto. As crianças iriam até seus pais e diriam: “O padre fez isso.” – “Não diga isso! Não pode falar assim de um padre!” O que permitiu que os padres se expressassem sexualmente. Alguns, de vez em quando, e alguns de maneiras terríveis.
Sipe reconheceu a síndrome chamada de Corrupção por Causa Nobre, uma crença de que boas intenções purificam o mau comportamento. Para um padre, a crença de que sua bondade pode transformar, como transforma o pão no corpo de Cristo: uma perversão num ato sagrado. Um padre que teve um caso com uma menina de 12, 13 anos, levou o que ele disse ser uma hóstia consagrada para um dos encontros. Ele tocou na sua vagina, e disse, “É assim que Deus a ama.” E a estuprou.
Vai da ampla aceitação de que o padre é perfeito, o Papa é perfeito, para que esse tipo de perversão seja distorcida desta maneira.
O sistema do clero católico, pelo qual o autor tem um grande respeito, e pelo qual deu muitos anos de sua vida, seleciona, cultiva, protege, defende e produz abusadores sexuais.
Fiquei imaginando essa situação eclesiástica vivida no Vaticano com a situação política vivida no Brasil. Também aqui temos políticos o que eles identificaram como Corrupção por Causa Nobre, que a justificativa de ajudar os pobres e incrementar a educação termina por purificar o mau comportamento. Para eles a crença em sua bondade pode transformar um marginal num herói, tal como o padre transforma o pão no corpo do Cristo. Um roubo bilionário, num ato sagrado. É o caso da Petrobrás, uma das empresas mais sólidas do país, foi tocada por esses políticos “perfeitos” com suas canetas “sagradas” e deixou sangrar seus recursos financeiros sem piedade... o estupro perfeito, que nem os próprios funcionarem percebem a dimensão, tal qual os pais que não acreditam nos maus feitos dos padres.
O sistema cultural do povo brasileiro, eles próprios envolvidos em falcatruas domésticas, funciona como o sistema do clero católico com relação aos padres abusadores, segundo Richard Sipe: cultiva, protege, defende e produz.
Mas tanto no clero católico como na política brasileira ainda existe a centelha da decência que apesar de tudo clama por justiça, para que tanta gente não seja prejudicada pelos atos de tão poucos, que as boas intenções não sejam justificativas para a prática de atos criminosos, e que a punição dos poderosos condenados pela justiça sirva de corretivo para nossas pequenas maldades, e não o contrário.