Acordei decidido a terminar a minha Quaresma na missa católica que ocorreu na cidade de Ceará-Mirim. Cheguei no horário previsto e notei que a igreja estava apinhada de gente, apesar da missa ainda não ter começado e estar sendo aguardada a procissão que estava se deslocando de outro local. Notei que as pessoas, na maioria sentadas, com suas roupas multicoloridas, olham intermitentemente para as imagens cobertas com um tecido roxo ou para outras pessoas mais à distância. Fui sentar um pouco fora da igreja, enquanto essa procissão chegava, e conversei um pouco com uma senhora que vendia produtos num carrinho, parecido com aqueles que eu vendia também num carrinho, em Macau, quando eu era criança e adolescente.
Não demorou muito e ouvi o barulho aumentando dentro da igreja e percebi que a procissão estava chegando. Entrei e fiquei em pé ao lado de várias pessoas na mesma situação. O cortejo entrou por sobre um tapete colocado entre as cadeiras até o altar. As pessoas na maioria tinham nas mãos ramos que eram distribuídos pelos voluntários da igrejas. Faziam figuras como a cruz e ficavam saudando o cortejo que simbolizava a entrada triunfal de Cristo em Jerusalém.
Descobri nesse momento um grave defeito que ainda tenho, o orgulho, a vergonha, a falta de humildade. Mesmo que eu fosse uma pessoa desconhecida para a grande maioria da igreja, que ninguém que por acaso me conhecesse e estivesse presente, não iria tomar conta da minha presença, com exceção dos meus acompanhantes, mesmo assim eu tinha dificuldade de me expressar como a maioria da igreja. Ao pedido do padre as mãos se elevavam e balançavam os seus ramos na saudação simbólica da entrada triunfal do Mestre. Eu percebia que tudo isso era um simbolismo, que eu deveria me agregar também a essa manifestação, mas tinha muita dificuldade de fazer isso. Dava o comando ao meu braço, mas ele não conseguia se elevar acima da minha cabeça.
Por que tão grande dificuldade, se eu considerava que aquele ritual simbólico era perfeitamente admissível para garantir um mínimo de participação da massa dentro das lições e exemplos do Mestre? Porém, interpreto assim: o meu inconsciente reconhece que eu não preciso mais desses rituais para absorver e compreender a mensagem do Mestre e que aquilo para mim seria uma perda de tempo, um trabalho mecânico que não iria adicionar mais nada à minha consciência. Seria mais produtivo ficar do lado de fora da igreja, observar as pessoas com suas necessidades, talvez colaborar com um sorriso, uma palavra, uma moeda... talvez ir até uma comunidade carente e colaborar de alguma maneira com as dificuldades daquele povo que nem ao menos teve condições de ir à igreja, seja por ignorância, seja por falta de condições materiais.
Esse foi o grande conflito que verifiquei dentro da minha consciência. Esse orgulho que assim chamei a minha dificuldade de participar do ritual como todos estavam fazendo, talvez tenha sido uma resistência inconsciente de que o meu papel não é mais dentro de tais rituais religiosos, que eu já alcancei uma boa compreensão das lições de Jesus e que agora estou mais apto a colocar em prático o que Ele quis dizer.