Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
10/05/2016 23h59
CASO CLÍNICO ABC (03) - RESISTÊNCIA

            O caso persiste na resistência da paciente pela adesão ao tratamento. Todo o espaço é aberto, o convite é feito para participar de atividades que ajudam na compreensão do psiquismo, na preocupação que a mente gera e as doenças que são causadas em função disso.

            É um caso que pode ser enquadrado no diagnóstico de esquizoafetivo, mas além desse rótulo que se possa fazer sobre uma pessoa em “sofrimento psíquico” para usar um eufemismo muito usado pelas mentes da reforma da Assistência Psiquiátrica.

            Bem que o termo não deixa de trazer uma verdade, pois uma mente doente não deixa de trazer sofrimento à pessoa, o erro é querer que esse sofrimento tenha se instalado sozinho, sem ter por trás uma doença ou um transtorno como os defensores de reforma acreditam e chegam até a minimizar a importância da psicofarmacologia nesse processo.

            Mas voltando à nossa paciente... parece que sua mente doentia está sintonizada com a mente daqueles que defendem a não existência de doenças mentais, pois toda a argumentação que eu faço e a família aprova, pois convivem com os problemas que a paciente provoca, inclusive o risco de suicídio, ela nega e rejeita o uso da medicação que poderia atenuar o seu sofrimento. Como ela imagina que não tenha transtorno ou doença mental, que todo os seus problemas estão localizados à nível de doença física, ela não aceita os psicofármacos. Por isso o sofrimento tende a se aprofundar, pois ele não tem existência autônoma, e sim, estão associados a uma doença que posso registrar como hipótese o transtorno esquizoafetivo.

            Neste momento o clímax dessa luta contra a doença é fazer a paciente reconhecer a sua existência e assumir o protagonismo de sua recuperação. Enquanto isso não acontece a doença evolui cada vez mais, a paciente não percebe, mas sua família sim. Por esse motivo a família aceita a sugestão de colocar a medicação disfarçada na alimentação para ver se evita a internação que parece cada vez mais próxima.

            Tenho espaço para falar com ela semanalmente em três locais diferentes. No consultório médico nas quintas feiras, no grupo de estudos espirituais nas terças feiras, e no curso de Autodescobrimento realizado na Cruzada dos Militares Espíritas nas sextas feiras. Dessas alternativas, apenas o consultório médico ela comparece, mesmo assim sempre mostrando que seu interesse maior é descobrir que tipo de doença física ela tem e que nenhum médico chegou para explicar para ela.

            A última vez que veio ao consultório na companhia da mãe, ela sempre colocava como importante a doença clínica que ela era portadora e que nenhum médico chegou a explicar para ela, apesar dos inúmeros exames que já fizera e que está agora pedindo mais uma vez.

            Para reforçar a empatia no trato médico-paciente, aceito pedir uma bateria de exames clínicos e verificar novamente se eles irão acusar alguma doença. Mas, faço também duas receitas com dois psicofármacos e disse da importância de tomar esse dois medicamentos, que não iria alterar os resultados dos exames que ela iria fazer. Notei que ela recebeu essas duas receitas sem nenhum entusiasmo e logo depois ao indagar da família sobre o uso da medicação, foi dito que ela não tinha iniciado ainda. Por esse motivo a família resolveu dissolver os comprimidos e colocar dentro da alimentação.

            Sei que para nós que estamos fora da doença é mais fácil vê-la e identifica-la como tal, do que a própria pessoa que está afetada pela doença, pois a própria mente que deve fazer esse reconhecimento é quem está doente e certamente suas funções psíquicas estão alteradas, entre elas a capacidade de fazer diagnósticos e de usar o senso crítico de forma racional.

            Estamos na fase em que a família coloca escondido a medicação dentro da alimentação. Isso já aconteceu uma primeira vez e foi o passo decisivo para abortar o recrudescimento de uma crise. A paciente não teve conhecimento da participação dos remédios na sua recuperação, e talvez isso tenha sido uma falha, não ter feito esse esclarecimento quando sua mente estava mais lúcida.   

Publicado por Sióstio de Lapa
em 10/05/2016 às 23h59