Existe uma comparação bem próxima entre Sócrates e Jesus, ambos mortos pela glória de uma doutrina, de uma razão sã e honrada pela luz divina.
Sócrates era um filósofo afetuoso que dominava suas paixões. Fez-se religioso compreendendo a natureza; fez-se forte falando com os espíritos de Deus.
Sócrates morreu perdoando a seus verdugos e abençoando a morte que lhe restituía a liberdade. Mas não pode fundar um culto para o verdadeiro Deus, nem demonstrar a utilidade de sua morte para os homens do futuro, e não resta dele mais do que uma escola, famosa, é certo, porém, sem preponderância no Universo, porque a palavra emanava ainda de homens cheios de superstições, apesar dos princípios de moral postos por eles em prática. A doutrina da existência de um só Deus ensinada por Sócrates e mais tarde por seus discípulos não se elevou acima das ruínas da idolatria e não lançou os fundamentos de uma sociedade nova.
Mesmo reconhecendo a superioridade de Jesus como Messias, deve ser reconhecida a sabedoria de Sócrates e aponta-lo dentro da humanidade como um dos seus membros mais dignos de respeito e de amor.
Sócrates viveu na pobreza e jamais seus lábios foram manchados pela mentira. Foi puro de todo ódio e de todo o desejo humilhante para a consciência. Jamais sua palavra se elevou para acusar e jamais seu coração guardou ressentimentos. A piedade para o infortúnio, o desinteresse em suas relações, a força e a justiça contra a insolência e a falsidade, honraram a vida de Sócrates, e a morte transportou-o no meio de torrentes de luz para as fontes todas as honras. Sócrates tem um ponto de semelhança com Jesus, de haver dado o exemplo das virtudes que pregava e de ter morrido pela verdade. Mas Jesus, mais adiantado do que Sócrates no conhecimento do mundo espiritual, tinha que dar mais impulso a seus sucessores e projetar mais luz em seu derredor, e na luta com os instintos da natureza carnal na presença das invasões que eles fazem às esperanças divinas. Jesus mostrou-se mais forte porque se encontrava menos sujeito à matéria, por direito de ancianidade e evolução positiva do espírito.
A marcha de Jesus, desde Sua infância até o Calvário, foi em todos os momentos a consagração de sua ideia. Sócrates, pelo contrário, não pôde ver-se inteiramente livre das superstições e permaneceu escravo das ideias de sua época na presença das maiorias populares, apesar de que adorava a Deus com seus discípulos. Porém, aí também se descobre um ponto de semelhança. Sócrates, do mesmo modo que Jesus, não podia desafiar a opinião pública sem incorrer na severidade das leis, e se Jesus se demonstra em suas doutrinas menos distanciado da religião judaica do que Sócrates das religiões pagãs, isso em nada diminui o justo valor, desde que ambos se viam obrigados a não contrariar demasiado a religião dominante. Se Jesus correu para a morte, ao passo que Sócrates a viu simplesmente aproximar-se sem estremecimento, é porque Jesus estava convencido de Sua missão Divina. Nisso consiste Sua superioridade indiscutível sobre Sócrates, sendo esta precisamente a auréola de Sua glória e a causa de Sua nova mediação frente ao Pai.
Jesus bem sabia que podia evitar a morte, porém a filiação divina que Ele se havia dado, a radiante esperança que demonstrava para inspirar a futura docilidade a seus apóstolos, a palavra profética da construção do Reino de Deus com base no Amor Incondicional que lançava sobre uma chama sobre o porvir, tudo constituía uma lei que o impelia a morrer dolorosamente e por Sua própria vontade.
Agora, aqui estamos nós, 2000 anos após os ensinamentos do Cristo, com o Evangelho nas mãos e a consciência reconhecendo que representa a Verdade, nos vemos na responsabilidade de construir esse Reino de Deus que Ele advertiu que iria surgir após colocarmos o Amor dentro dos nossos corações e que se ampliava ao nosso redor com a inclusão do próximo, sempre seguindo a Sua bússola comportamental: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.
Todos nós devemos ser sinceros com a Verdade reconhecida e aplicar em nossos relacionamentos, para não cairmos no pecado da hipocrisia. “Pensar na ação coerente com a Verdade e agir diferente”. Claro, podemos errar em nossas interpretações, mas não podemos ficar em cima do muro sem agir, quando a nossa consciência aponta que a Verdade está coerente com tal ação. Se estivermos errados e o tempo mostrar isso, devemos então ter a coragem de corrigir.
Neste sentido, refletindo sobre o Amor Incondicional, a Verdade, a coerência e a construção do Reino de Deus, a partir de ensinamentos incontestáveis de Sócrates e principalmente de Jesus, entrei num caminho de confronto com a cultura ao meu redor e com as leis que a disciplina. O casamento atual, baseado no amor romântico, com suas implicações egoístas, individualistas, que levam à formação da família nuclear, que tendem a aplicar com inexorabilidade o amor condicional, se tornam um entrave a construção do Reino de Deus, da família universal, que o Mestre ensinou através do Amor Incondicional.
Acredito que, se eu aplico o Amor Incondicional nos meus relacionamentos, porque aprendi a deixar o meu coração repleto dele, não posso manter uma posição de exclusividade com relação ao meu próximo. Se eu sou casado e alguém ao meu lado precisa do Amor que possuo e que o meu comportamento com essa pessoa é coerente com os princípios do Amor Incondicional, que obedece à bússola comportamental ensinada pelo Cristo, então não posso me esquivar de doar o amor, mesmo que isso implique em relações íntimas, sexuais. Isso vai de encontro à fidelidade prometida no casamento tradicional, pela influência do amor romântico, vai de encontro à cultura e as leis estabelecidas para protege-lo. Felizmente estamos vivendo em novos tempos, não corro o risco de ser condenado à cicuta como Sócrates, ou à crucificação como o Cristo, mas certamente outros tipos de punição me esperam. Uma delas é a solidão, moro sozinho apesar de gostar tanto de companhia, como consequência da rejeição que sofro por aplicar esse comportamento.